O DISCURSO - FIM


A vida de ninguém...

E chego ao grande dia sem nada preparado...

Espero sinceramente que se esqueçam que me convidaram a discursar, pois não tenho nada a dizer...

Quando chego ao local, recuo perante os cumprimentos espalhafatosos, as risadas e os gritos...

Sim, há pessoas que soltam um grito, assustando os demais e depois lançam-se numa correria desenfreada pela sala para abraçar quem chega.

Já estou com uma grande dor de cabeça quando nos servem finalmente o café...

Talvez este seja o momento adequado para sair à francesa, despedindo-me apenas das pessoas que ficaram na minha mesa.

Lembro-me da Matilde e da Carolina, vagamente da Magda e do António Luís. 

A conversa entre os cinco (os respectivos companheiros recusaram-se a acompanhá-los) até decorreu fluída, interessante e não estou totalmente perdida.

Estou a rir-me de uma piada quando a organizadora do evento, a Ana, anuncia que vai haver discurso.

As pessoas começam a aplaudir, há alguém que grita " Quem vai botar faladura, Ana?" e um outro ri.

" Mas eu não preparei nada!" protesto " Pensei que estavas a brincar!"

" Anda lá, não sejas tímida!" incentiva a Carolina.

Há assobios, risos e alguém pensa que me ajuda, dizendo: " Hoje sou eu quem fala e vocês calam-se."

Levanto-me, olho em volta, a Ana sorri-me trocista e eu não hesito.

" Efectivamente, hoje eu falo e vão ouvir-me. 

Porque somos adultos e os adultos têm que saber ouvir... A vida seria muito mais fácil se ouvíssemos...

E ouvíssemos bem.... E, neste momento, ninguém está a ouvir ninguém..."

A Ana tenta interromper-me, mas sem sucesso. 

Porque eu continuo a falar, as pessoas estão a calar-se e quando termino:

" Obrigada por me escutarem. Talvez não tenha sido o discurso mais adequado, mas foi dito com coração."

Os primeiros a baterem palmas são os da minha mesa. 

Os outros, noto, estão desorientados.

Faço as minhas despedidas e saio.

Posso dizer que a noite foi um sucesso... Para mim... 

Mas a verdadeira questão é: será que me escutaram verdadeiramente?


FIM


Comentários

Larissa Santos disse…
Com o entusiasmo da festa, se calhar nem tomaram atenção :))

Do nosso amigo Gil António, com: Palavras escritas no silêncio do coração

Bjos
Votos de uma óptima Quinta - Feira
Mais um bom final!!


Beijo e um excelente dia!
Sofá Amarelo disse…
Ouvir ou escutar... estar presente e perceber ou estar presente "ausente"... eis os eternos dilemas de quem fala e não se sabe se o seu discurso chega onde queria ou onde deve... muito bem explanado e descrito o drama de botar palavra, o vai que não vai, o agora ou daqui a já... mais um trama bem urdida e bem terminada... se é que alguma vez alguma coisa fica terminada, pode sempre ter uma sequência. Parabéns por este mais grande momento literário... :-)

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