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A mostrar mensagens de novembro, 2021

CAROLINA PARTE III

  O meu cliente não tem mais que quarenta anos, explica-me que vai começar a trabalhar em sistema misto, tal como o meu irmão Pedro, comento e ele sorri. Necessito de um escritório, continua e pensei que este seria o melhor local, Está cheio de tralha, terei que a tirar, mas acho que podemos fazer qualquer coisa daqui. Vejo o local, tem boas dimensões e recebe luz natural por uma janela que posso alargar, sugiro e o cliente concorda. Vejo que o soalho é de tacos, posso envernizar e ser a continuação da sala, continuo e o senhor acena com a cabeça, é uma boa ideia. Conversamos um pouco mais, prometo enviar-lhe um plano dentro de dois, três dias, despeço-me e saio para o Sol. Vejo as horas, ups, tenho que ir para casa, prometi almoçar em casa e hoje só o Edgar almoça comigo. Fala-me nos novos projectos, conta-me histórias divertidas sobre os colegas e as aulas e eu sinto-me muito relaxada. Fecho-me no meu escritório, vou trabalhar um pouco, anuncio, tenha cuidado, nada de stress! recomen

CAROLINA PARTE II

  O meu marido não diz mais nada, acho que está de acordo, a vida tem que continuar, não posso ficar aqui sentada a ver o tempo a passar, murmuro antes de adormecer profundamente. A vida volta ao normal com vozes zangadas que me arrancam a um sonho muito agradável e é contrariada que visto o roupão e saio para o corredor. A Inês está de meias com as sapatilhas apertadas contra o peito e o Matias estende-lhe as galochas, tenta convencê-la a calcar o calçado mais adequado para a chuva, diz. A Inês abana a cabeça, detesta as galochas, vão fazer troça dela, porque é que tu não entendes??? exclama, és mesmo burro! INÊS, que linguagem é essa? pergunto, calças as galochas imediatamente e levas as sapatilhas para trocar na escola, nem mais uma palavra! aviso quando vejo que a Inês vai protestar. O Matias arrasta uma Inês muito calada para fora de casa, vou chegar atrasado às aulas por tua causa, peste! comenta e eu decido tomar o pequeno almoço na cozinha. Não vale a pena voltar para a cama, e

CAROLINA

  Talvez não devesse dizer isto, mas tenho finalmente tempo para mim... Tempo para tomar o pequeno almoço na cama se me apetecer, não me preocupar com compras, com os horários dos miúdos, oh, D. Carolina, eles já são crescidos o suficiente para se organizarem, diz a D.Margarida e o Matias concorda. E a Inês? pergunto, nós tomamos conta dela, responde o meu filho, estuda connosco, come connosco e a D. Margarida ri-se, a Inês já sabe tomar banho sozinha, claro que alguém tem que a vigiar, mas não vai haver problemas! Rio-o também, a Inês tornou-se a minha sombra desde que tive o ataque cardíaco, vamos as duas às aulas de yoga e lanchamos na loja da Teresa, de vez em quando, ajudo-a com os trabalhos de casa e ela adora ler-me as histórias favoritas. Nunca pensei que a nossa filha tão rebelde fosse um doce, comento e o Gustavo sorri, até à próxima asneira, se bem que o Matias me tenha assegurado que se ela ultrapassar os limites, torna-se prisoneira, comenta. Prisioneira? repito, a Inês? O

FILIPA E TADEU - FIM

  O Tadeu tem razão: a Inês fica encantada com a ideia de tomar conta da Mãe e é um alívio vê-la tão entusiasmada. Acompanha a Mãe às aulas de yoga no estúdio que abriu no anexo perto da loja da Tia Teresa. O Tio António não achou boa ideia diversificar o negócio de lojas gourmet, já tens bastante com que te ocupar, diz, mas concorda em alugar o espaço e a Carolina encarrega-se da decoração. Apesar dos protestos do marido, não estou inválida, protesta, a Mãe decide continuar a trabalhar. Reorganiza a empresa, aprende a delegar e encarrega-se pessoalmente de dois ou três projectos e supervisiona os restantes. Nota-se que está mais relaxada, ri mais e a minha irmã declara ufana que é tudo obra dela Está calada, periquito, observa o Miguel, é obra de todos! Todos colaboramos para que a Mãe se sinta bem! Pois, corrobora o Edgar, somos uma equipa e ainda bem que aprendeste a fazer isso também! A Inês fica muito vermelha, abre a boca para responder, mas deve ter pensado melhor e não diz mais

FILIPA E TADEU PARTE V

  Não sei o que vai acontecer daqui para a frente, desabafa o Pai, a Mãe terá que levar uma vida mais tranquila... estou muito preocupado! Eu também, mas temos que nos organizar melhor, respondo, ver o que resulta e corrigir quando for necessário... É, Dr Gustavo, concorda a D. Margarida, estamos cá para o ajudar, sabemos os gostos da D. Carolina, vamos fazer com que tudo corra bem. E a Inês? Aquela rapariga é tão viva, repete o Pai e a D. Margarida sorri, explica-lhe o que se passa, faça com que sentia importante no cuidado a dar à Mãe, vai ver que resulta, sugere. Sorrio, a Inês é tão activa, não a estou a ver sossegada no quarto, mas talvez te surpreendas, diz o Tadeu mais tarde quando nos preparamos para deitar. Estivemos com a Mãe, mas ela estava muito ensonada e por isso, só lhe demos um beijinho e regressamos a casa. O médico está optimista, a Mãe vai poder sair daqui a uns dias, terá que levar uma vida mais calma, fazer exercício moderado, yoga, exclama a Teresa quando sabe, es

FILIPA E TADEU PARTE IV

  O Tadeu telefona para o Instituto, avisa que só vai trabalhar de tarde, mas a Filipa pede o dia. O assistente da Mãe já telefonou, o que deve fazer? Cancelar as reuniões desta manhã? pergunta, a Paula pode substituir a Mãe, está ao corrente de todos os detalhes, pode discuti-los com os clientes, aconselha a Filipa. Mantenha-nos informados, pede, logo que a Mãe puder falar, se houver questões importantes, resolve-se então. A tua Mãe deve ficar algum tempo de repouso, observa o Tadeu, não deve trabalhar tão depressa. Não sei, Tadeu, respondo, estou um pouco perdida! Só a Mãe é que pode decidir, vamos tentar, e suspiro. O Tadeu não diz mais nada, vou até casa, tomar um duche, diz, talvez seja melhor preparar um saco, vais querer ficar aqui uns dias? Olho-o surpreendida, não tinha pensado nisso, mas é melhor ficar em casa dos Pais uns dias, principalmente para vigiar a Inês. Sim, é melhor, por causa da Inês, explico, temos é que estabelecer um horário, hoje ela pode ficar em casa da Tia

FILIPA E TADEU PARTE III

  São sete horas e ainda não sabemos nada, o Pai está tão nervoso que nem se senta. A Teresa e o António têm que ir embora, desculpam-se, deixamos os miúdos a dormir em casa de uns amigos e ficou combinado um de nós levá-los todos para a escola, explicam-se. Eu vou abrir a loja, organizar o dia com os colaboradores e depois, volto, diz a Teresa, mas telefona-me logo que souberes alguma coisa. O Pai acena que sim, nem quer falar e eu tenho que me levantar, vou apanhar ar. O Tadeu segue-me, o que queres fazer? pergunta, vamos tomar o pequeno almoço, tomamos um duche e regressamos? mas eu abano a cabeça. O Miguel aparece com o telemóvel na mão, o Matias já telefonou, contei-lhe tudo, comenta mas acho melhor ir até lá e ver como estão as coisas. Talvez seja melhor eu ir, a Inês é um pouco mais obediente comigo, respondo, vou só dizer ao Pai que concorda de imediato com a ideia, promete telefonar assim que souber alguma coisa. Em casa dos Pais, a Inês grita a plenos pulmões, o Matias está a

FILIPA E TADEU PARTE II

  Ah, e para mim, foi fácil??? pergunto, estou em casa há horas, a fazer o jantar e tu nada! exclamo, nada! e o Tadeu fica parado no meio da sala a olhar para mim. Vá lá, Filipa, foi um dia muito longo, repete, falamos amanhã quando estiveres sóbria, frisa, nunca te vi assim, até nem gostas de beber!!! Pois, não gosto mesmo nada de beber, mas sinto-me solta, livre, e volto a rir-me, levanto-me, tropeço e quase caio. Anda lá, vamos para a cama, diz o Tadeu e não me lembro de mais nada. Deitou-me, tenho a certeza disso, pois acordo na cama umas duas horas depois, com a boca seca. Levanto-me sem fazer barulho, o Tadeu está a ressonar e vou até à cozinha fazer um chá. O Tadeu guardou os restos do jantar, ligou a máquina, mas deixou a mesa posta, boa, murmuro, não tenho que a pôr amanhã! mas será que haverá amanhã para nós? penso. Resolvo tomar um duche, mudar de pijama e depois, instalo-me no sofá a beber o chá. A dor de cabeça é terrível, mas que estupidez! raramente bebo e ontem fiz aque

FILIPA E TADEU

  Filhos? Não, ainda não... nem sequer sei se os quero ter e a discussão com o Tadeu é violenta... Ele tem que compreender que tenho quatro irmãos, aprendi muito cedo a ser responsável e organizada... quero usufruir de uma certa loucura... Porque é que ele não compreende isso? e olho para a Tia Teresa à espera de uma resposta, mas a Tia apenas suspira. Minha querida, diz a Teresa, não te posso responder. Compreendo que queiras viver um pouco antes de assumires essa responsabilidade, eu fui mãe numa idade que os médicos consideram perigosa.... mas só tu é que podes decidir. Tenta falar novamente com o Tadeu, às vezes, não explicamos bem as coisas... Não sei, repito, não estamos a falar muito... somos apenas civilizados! A Tia dá-me uma palmada amigável na mão, volta para casa, faz o jantar, tenta conversar novamente, aconselha, e, Filipa, conversa também com a tua Mãe.  Mas eu não quero preocupar a minha Mãe, sei que ela não está bem de saúde, tenho que passar lá por cá amanhã sem falta

O " MAS" OU A HISTÓRIA DO GONÇALO

  Eles não precisam de saber isso, defende o Matias, o Edgar encolhe os ombros, eles não são idiotas e já descobriram isso! É melhor falarmos com o Tadeu e esclarecer o assunto...continua, uma vez até pode ser engraçado, mas sempre.... Achas mesmo que o Tadeu te vai dar ouvidos? o Matias duvida, se tentar, não sei, observa o Edgar, agora, nós vamos guardar a " arma do crime", frisa, melhor tirares esse sorriso de triunfo da cara, Inês e vamos comportar-nos normalmente, ok? O normal não tem piada nenhuma, murmura a Inês, a Sofia dá-lhe um empurrão, tenta, o Edgar está do nosso lado! diz. Eu e o Miguel suspiramos de alívio, temos que esquecer o Tadeu, divertir-nos, afirmo com segurança e o meu primo concorda. Ele não gosta nada de conflitos, eu também não; contudo, às vezes, precisamos de bater o pé e acho que o meu primo vai ser um frustrado se não aprender isso. O almoço é um sucesso, a Filipa está feliz, embora o Tadeu esteja um pouco calado e o sorriso seja apenas polido. N

O " MAS " OU A HISTÓRIA DO GONÇALO PARTE VI

  Nem de propósito, o Tadeu entra nesse momento, como sempre, jovial, a tentar conquistar-nos com comentários idiotas tipo " olha a malta jovem, da pesada!". Olho-o desconfiado, afasto a cabeça, ignora a mão erguida, então, Gonçalo? repreende suavemente a Filipa, o Tadeu só te quer cumprimentar. A Sofia e a Inês aguardam que ele se aproxime, noto que a minha irmã está nervosa, a Inês está descontraída e o sorriso dela assusta-me, não o sei definir. O que acontece... não percebi bem, sei que o Tadeu fica com a mão toda manchada de tinta azul, há salpicos nas calças e nos sapatos. O Tadeu fica tão surpreendido que nem fala, a Filipa agarra o braço da irmã e abana-a com força, o que é que se passa contigo? Já viste o que fizeste? Mostra-me a tua mão, pede. A Inês volta a sorrir, trocista, matreira e não responde, o que desespera a Filipa. O Tadeu continua parado no meio do quarto, sem saber o que fazer até que o Matias, que chega entretanto, sugere que vá lavar as mãos. Empresta

O " MAS" OU A HISTÓRIA DO GONÇALO PARTE V

  Como somos uma família original, para o almoço em casa da Tia Carolina, eu visto-me como o meu Pai (calças azuis escuras, camisa branca e pullover azul claro) e a Sofia como a Mãe. É a Inês quem abre a porta, cumprimenta-nos altivamente e depois, desaparece sem nos convidar para a seguirmos. Vocês zangaram-se? pergunta a Mãe um pouco confusa, mas nem eu nem a Sofia oferecemos qualquer explicação. O Matias aparece no corredor, entrem, entrem, convida, a Inês está na sala dos brinquedos, porque é que não vão para lá? O Miguel recebe-nos com um pequeno sorriso, este rapaz continua a não falar muito e eu é que sou bobo, murmuro, sento-me ao lado dele, interesso-me pelo livro que tem nas mãos, faço perguntas. O Miguel responde cuidadosamente, é um pouco como a Sofia, gosta de articular bem as palavras, escuto-o polidamente. Entretanto, Sofia senta-se ao lado da Inês que esconde rapidamente um pequeno saco, não falo contigo, anuncia. Por amor de Deus! exclama a minha irmã, esquece o que se

O " MAS" OU A HISTÓRIA DO GONÇALO - PARTE IV

  O mais curioso é que todos me culpam do sucedido, a Inês até parece ser a heroína, teve a coragem de te dizer na cara o que tu és, explica um dos meus colegas, porque és um bobo! e meia dúzia de vozes repetem, Gonçalo bobo! Bobo! Bonito, agora tenho dois " nicknames", "Contramas" e " Bobo" murmuro e a Sofia suspira, esquece, se mostrares que estás aborrecido, ainda é pior! As semanas passam, estamos quase no fim do castigo, cumpro o que prometi ao Pai e entrego os trabalhos a tempo. Temos que melhorar um pouco a apresentação, diz a Professora, mas estás a esforçar-te, o que é bom! Eu ajudo-o com a apresentação, oferece-se a Sofia e a Professora concorda, pois os cadernos da minha irmã parecem quadros. Naquela tarde, a Sofia dá-me uma aula sobre artes visuais e eu fico espantado com o à-vontade com que explica o assunto. É por isso que tenho um caderno de rascunhos e quando já tenho tudo planeado, passo para o caderno que apresento à Professora, explica,

O " MAS " OU A HISTÓRIA DO GONÇALO PARTE III

  O discurso da Directora é longo e aborrecido; a certa altura, perco o fio à meada e só fixo duas coisas - não há recreio e há TPC's extra durante duas semanas. A Inês resmunga, a culpa é toda tua! refila e a D. Rosário, que nos acompanha até à sala de aulas, interrompe, a culpa é dos dois! Aprendam alguma coisa com isto! A aula está em silêncio, há dois ou três colegas que me olham como se eu fosse um inimigo a abater e eu tento ignorar. Nem quero pensar no que os Pais vão dizer e tudo por causa daquela idiota da Inês! comento, não penses mais nisso, aconselha a Sofia, eu não vou confiar na Inês nos tempos mais próximos! Ela é mesmo imprudente! A Mãe mostra-se desgostosa, sempre te ensinamos que a melhor forma de resolver as situações é o diálogo, nunca a violência! diz, espero que isto te sirva de lição... e não, não quero saber quem começou! acrescenta. O Pai fica muito sério quando sabe, espero que te sirva de lição, repete, e que tenhas boas notas! Nada de desculpas, vais ent

O " MAS" OU A HISTÓRIA DO GONÇALO PARTE II

  Fico a pensar no assunto, talvez a Sofia tenha razão e se não fosse a maluca da Inês intrometer-se, eu teria começado a utilizar o " mas", mas com algumas restrições. Naquele dia quando chego à escola, já todos sabem o meu novo "nickname" inventado pela Inês e parece que todos esqueceram que me chamo Gonçalo. Olha o "Contramas", grita o Bruno e há uma risada geral, então, hoje continua a ser um dia sem mas? Mas sabes que o mas é bem interessante? declara o Maurício. Não digo nada, tenho a certeza de que se responder vai ser pior e por isso, entro na sala, sento-me e abro um livro para fingir que estou ocupado. Os meus colegas continuam a provocar-me e só se calam quando a professora fecha a porta e avisa que não quer ouvir um "ai". No intervalo, fico zongo com as bocas e refugio-me ao pé da Sofia que está a discutir com a Inês, és uma idiota! grita a minha irmã. A minha prima encolhe os ombros, descontraída, ele que se defenda! Tem idade para i

O " MAS " OU A HISTÓRIA DO GONÇALO

  Nunca vou gostar da palavra " mas"... acho-a irritante, petulante e tudo mais que termine em "ante". Prefiro " contudo", " porém", " além disso", embora a mana Sofia, uma apaixonada pelas letras e pelas palavras se ria. Eu não rio; como não gosto nada de ser o irmão mais novo. Não é que a Sofia seja uma " chata" como a prima Inês ou " snob" como a Francisca; é que não sou respeitado. O respeito é importante em qualquer relação, explica o Pai, seja familiar, entre amigos ou clientes. Sim, corrobora a Mãe, se eu fosse arrogante e malcriada, os clientes não voltavam à loja.  Estou sempre a chamar a atenção aos meus colaboradores para isso. Não entendo muito bem este discurso, acho-o irrelevante quando tudo o que fiz foi roubar o diário da Sofia e li alguns dos seus pensamentos mais secretos. Talvez o erro tenha sido comentar o facto com a Inês que gozou indecentemente com a minha irmã e vi-me obrigado a defender a hon

A BEBÉ DA FAMÍLIA FIM

  O Gonçalo dá-lhe uma palmada, a Inês responde com uma canelada e a Sofia tenta separar os dois. Em breve, o quarto transforma-se numa batalha campal, com a Inês a gritar olha o fedelho! tem a mania que é importante e o Gonçalo, apesar dos esforços da Sofia, continua a tentar bater-lhe. Os gritos atraem a atenção dos adultos e o Tio António irrompe pelo quarto, furioso, exigindo saber o que se passa. Mas o que se passa aqui? Onde é que pensam que estão?Isto é uma casa civilizada e não admito lutas, diz. Oh, Tio, foi o Gonçalo quem começou, justifica a Inês, eu só respondi! e procedeste tão mal como ele, observa o Tio, vão lavar a cara e as mãos, depois arrumam o quarto. Quando voltarem, discutimos o castigo, acrescenta. Os três saem do quarto de cabeça baixa e eu agarro-me à perna do Tio António, estou aqui, não tenho nada a ver com o assunto, tento explicar. O Tio não percebe nada, claro, faz-me uma festa na cabeça, não sejas como eles, Francisca, porta-te sempre bem, ok? aconselha.

A BEBÉ DA FAMÍLIA PARTE V

  Tocam à campainha, assusto-me e a Tia Teresa ri-se. É a Mãe, vestida como sempre com elegância, as tias tecem-lhe grandes elogios, eu tento vê-las com aquele vestido sexy e aquele casaco comprido de corte masculino, mas não consigo. Em casa, a Mãe prepara-me para dormir, estou a jantar quando o Pai chega. Nota-se de imediato que está aborrecido, mal fala, mas a Mãe insiste em saber o que se sabe. Não quero falar nisso, Rita, responde o Pai e desaparece no quarto. Acabo de comer, a Mãe limpa-me as mãos e a cara e leva-me para o quarto. O Pai não volta a aparecer, a Mãe lê a história apressadamente e nem espera que eu adormeça. Apaga a luz, saí do quarto, mas deixa a porta entreaberta e ouço-os a discutir na sala. Não entendo muito bem a razão da discussão, mas sei que, quando acordo a meio da noite com sede, a Mãe está a dormir no sofá-cama que há no quarto. É onde dorme a babysitter quando os Pais têm uma festa que acaba tarde. Ups, a discussão deve ter sido grave para a Mãe ficar aq

A BEBÉ DA FAMÍLIA PARTE IV

  O Pai interrompe-a, está cansado, quer ir para casa e por isso, fico muito aborrecida. Não sei a história toda, não adianta perguntar aos primos, porque sou a bebé da família, não entendes nada, diz a Inês. A verdade é que eu entendo tudo, a Inês gosta de estar no centro das atenções, mas acho que a Sofia se está a afastar. A Sofia é uma senhora em ponto pequeno, ouvi a Tia Carolina dizer à Tia Teresa, quem me dera que a Inês fosse mais recatada! Não admira que seja uma Maria Rapaz, e a Tia Teresa sorri, passa a maior parte do tempo com o Matias e o Edgar. A Tia Carolina suspira, estou cansada, confessa, aquela rapariga não sossega, não pensa nas consequências, está sempre pronta para desafiar os limites, as pessoas... Até começo a ter medo de atender o telefone, pode ser da escola a dizer que ela fugiu, está de castigo. A Teresa ri-se, não tenho realmente que me queixar, diz, tanto a Sofia como o Gonçalo são uma paz de alma, às vezes, até demais. A não ser quando a tua filha os desa

A BEBÉ DA FAMÍLIA PARTE III

  Os dois riem-se quando tento repetir a palavra, tão estranha, tão difícil, mas a Clarinha chega entretanto. Vou almoçar na cozinha e depois fazer uma sesta, para almoçarmos sossegados, explica a minha prima. Protesto, mas a Clarinha não me ouve e leva-me até à cozinha, onde a Matilde, que chegou entretanto, está pronta para me dar a sopa. Gosto da Matilde, é muito diferente da Clarinha, muito mais calma, conta-me histórias engraçadas, ajuda-me a fazer desenhos. Por isso, como sem um protesto e faço questão que seja ela a deitar-me. A Clarinha está muito nervosa, muito excitada e tudo por causa de um rapaz? Também vais passar por isto um dia, diz a Matilde como se adivinhasse os meus pensamentos, cobre-me, dá-me um beijo na cabeça e saí. Tento ficar acordada, ainda ouço alguém rir, talvez a Clarinha, não sei, mas adormeço e só acordo já os Pais estão na sala a conversar com os Tios. A voz do Pai é inconfundível, eu acordo-a, Madalena, ela tem que acordar! observa e quando abre a porta

A BEBÉ DA FAMÍLIA PARTE II

  Infelizmente, não se fala mais do tal Raúl, fico desapontada, estou muito curiosa por saber quem foi o outro homem na vida da minha Mãe. É domingo, convidaram alguém especial para o almoço e a Clarinha parece uma barata tonta, só sabe sorrir e dizer disparates. Por isso, fico na sala com o Tio Telmo a fazer palavras cruzadas, sabes o que é isto? Pois não, mas vais aprender e adorar, confidencia-me. Sorrio, ele dá-me uma palmada na cabeça e continua a fazer as palavras cruzadas. Fico aborrecida, talvez seja melhor ir ter com a Tia à cozinha e por isso, meto-me a caminho. Estou no corredor quando tocam à campainha, a Clarinha saí disparada do quarto e quase me derruba. O que é que estás a fazer aqui, Francisca??? protesta e abre a porta, explodindo num risinho nervoso quando vê o rapaz alto que lhe sorri. Entra, entra, convida e quase que o arrasta para dentro. O rapaz está visivelmente confuso, os teus Pais? pergunta, não te preocupes com eles! Vão adorar-te! diz a Clarinha. Olá, quem

A BEBÉ DA FAMÍLIA

  Das duas uma: ou tenho uns Pais excepcionais ou completamente doidos. Vejamos: o meu Pai é um homem cheio de energia, desportista e criativo e nunca me aborreço quando estou com ele. A Mãe é mais séria, mais exigente e muito... qual é a palavra? Tenho que perguntar à Sofia, a linguista da família. Ah, já sei, sensual...ainda não compreendi o que significa, mas sei que, quando olham um para o outro de uma determinada maneira e se escondem no quarto, só os vejo horas depois. Nunca pensei que a relação resultasse, confessa a Tia Madalena ao Tio Telmo um dia em que fiquei lá. É um outro mistério que tenho que decifrar: uma vez por mês, os Pais desaparecem e eu fico, ou em casa da Tia Madalena, irmã da Mãe ou do tio António, irmão do Pai. Não é que me importe; estou bem em qualquer lugar, em casa de um, está a Clarinha, a baby sitter perfeito, no outro, o Gonçalo e a Sofia. Este fim de semana, estou em casa da Tia Madalena e o comentário desperta-me a atenção. Afinal, sou um bebé, vou lá

SOFIA COMO A POETISA FIM

  Não compreendo muito bem o que a Tia Carolina diz, está muito zangada, mas durante um mês, a Inês não vai a festas de aniversário nem pode dormir em casa de alguém. Na escola, fica na sala com uma auxiliar até alguém aparecer para a trazer para casa, a Inês protesta de imediato, mas a Mãe cala-a com um gesto. Tudo na vida tem consequências, portaste-te mal e aqui está o teu castigo, declara, agora ficas aqui no quarto até à hora de jantar e não quero ouvir um som que seja, repete. A Tia Carolina saí, ficamos os três calados por uns minutos e depois, a Inês diz, não é justo! Não é nada justo! Nós ficamos contigo na sala à espera da boleia para casa, afirmo para a consolar, o quê? Não estamos de castigo, protesta o meu irmão. Temos que ser solidários, explico e o Gonçalo olha-me como se eu tivesse enlouquecido, soli... quê? Estás a inventar! comenta. Não, não estou, defendo-me, a palavra existe! e calo-me.  Ainda não sei muito bem o que significa, acho a palavra interessante, elegante

SOFIA COMO A POETISA PARTE IV

  A auxiliar vem a correr, não, a  Inês não está lá dentro, diz, onde é que ela se meteu? Vocês sabem alguma coisa? pergunta-nos. O Gonçalo abre a boca para falar, mas dou-lhe uma cotovelada e ele cala-se. O Matias repara, vocês sabem alguma coisa, o que é? insiste, é melhor dizerem já, porque vão ser castigados. Respiro fundo, não sei porquê, replico, não tenho culpa que a Inês tenha fugido, mas o Matias nem ouve. O segurança está já a descer a rua na direcção da paragem do autocarro, o Matias vai no sentido contrário e a auxiliar faz-nos entrar para o gabinete da segurança, aqui calados, não quero ouvir um ai! aconselha. Será que ela apanhou o autocarro? sussurra o Gonçalo e eu encolho os ombros, seja como for, isto vai acabar mal, não sei se vale a pena! penso. Uns minutos mais tarde, ouço vozes, vozes muito zangadas. Reconheço a do Matias, está a falar muito excitado com alguém que grita tão alto como ele. É a Inês, mais um minuto e ela apanhava o autocarro, conta o segurança, mas

SOFIA COMO A POETISA PARTE III

  O recreio termina, a auxiliar leva-nos até à sala, fica lá até a professora regressar. A Inês está calada, a professora faz-lhe uma pergunta e a minha prima ignora-a. A professora insiste e a Inês é arrogante quando responde, Inês, não digas mais nada, pede baixinho o Gonçalo, mas a prima encolhe os ombros. Mais tarde, o Gonçalo e eu concluímos que a Inês fez de propósito para a professora a mandar para a sala dos " castigos" como lhe chamamos. O objectivo é ficarmos sentados, sem falar com o colega do lado e estudarmos. Estão lá duas auxiliares, mas diz quem lá esteve que é fácil desviar-lhes a atenção e aproveitar a oportunidade para fugir. Não admira que a Inês tenha ido sem protestar para a sala, já estava a pensar num plano de fuga. Geralmente, os meninos da sala dos " castigos" ficam lá até os Pais aparecerem, mas, como somos primos e vamos juntos para casa, a auxiliar traz a Inês para o pátio da saída, não a deixes sair da tua vista, pede ao segurança e des