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MATILDE PARTE IV

  Mas? insiste a Dra Lúcia, ok, não fiquei muito contente por o Bernardo ter decidido procurar um apartamento sem discutir primeiro o assunto contigo, explico, ele redimiu-se depois, pôs-me à vontade, mas fiquei um pouco magoada. Há uns meses, teria ficado calada, interrompe a Dra Lúcia, a remoer tudo, mas já foi capaz de falar, de explicar ao Bernardo do que não gostou. É isso mesmo que quero que faça... é um bom passo! Mas ainda não estou totalmente convencida, confesso à Tia Rita, o Bernardo não quer aceitar as minhas economias, acha que é melhor ter um fundo de maneio. Tem toda a razão, concorda a Rita, sempre achei o Bernardo um rapaz sensato, têm bons salários, são jovens, e se souberem negociar... pagam a casa em dois tempos! Suspiro, às vezes, fico um pouco irritada com esse positivismo, digo e a Rita solta uma gargalhada, já há muitas sombras no Mundo, temos que ver o lado positivo das coisas. Goza a vida, Matilde, não te preocupes com os pormenores. O preço do apartamento não

MATILDE PARTE III

  O apartamento no bairro onde os meus Pais vivem está bem dividido, a sala dá para um terraço enorme e imagino já o Bernardo a planear grandes festas no Verão. Podemos fazer aqui churrascos, convidar amigos para drinks ao fim da tarde, diz o meu companheiro, ou uma estufa, sugiro e vejo que o Bernardo fica surpreendido. Abro as portas dos armários, o chão é em madeira flutuante, cheira tudo ainda a novo, gosto, confesso quando nos despedimos da agente e voltamos para o carro. Não nos vamos precipitar, aconselha o Bernardo, ainda temos mais dois apartamentos para ver. Um é muito sombrio, temos que fazer algumas obras e não gosto da zona.  Nem eu nem o Bernardo gostamos das divisões do terceiro, são pequenas demais e não gostei nada do esquema de cores, comento quando regressamos ao estúdio. Também gostei mais do primeiro apartamento, concorda o Bernardo, temos aquele terraço imenso, há aquele quarto perto da cozinha que podes transformar no teu escritório... Ou podemos utilizar um dos

MATILDE PARTE II

  A Dra Lúcia sorri, sinto que estou no bom caminho, estou a adorar o meu trabalho na empresa de decoração da Carolina. Saio satisfeita da consulta, o Bernardo já deve estar à minha espera no átrio, ele é sempre tão pontual. Lá está ele em frente aos elevadores, a olhar atentamente todos os que saem e quando me vê, sorri, aponta para o relógio. Onde vamos? pergunta, mas ambos sabemos o que queremos. Jantar naquela pizzaria perto do Centro, de preferência na mesa do canto, discreta, sossegada, queremos conversar. Acho que devemos mudar de casa, diz o Bernardo no fim do jantar, estamos já a tomar o café, um apartamento maior, com mais espaço, tens que ter um escritório para ti. Fico surpreendida, gosto de viver no estúdio, às vezes, é complicado quando trazemos trabalho para casa, mas encontramos uma solução. Não sei, nunca pensei no assunto, confesso, mas uma sala maior para recebermos os amigos é uma boa ideia e, sim, gostava de ter um escritório só para mim. Ok, encontrei dois ou três

MATILDE

  Uma noite, contei tudo ao Bernardo. Tudo o que me aconteceu naquelas semanas em que estive " desaparecida "... confessei-lhe tudo e o Bernardo ouviu tudo sem me interromper. No fim, suspirei fundo, sentia-me mais leve, talvez porque só li carinho, amor, compreensão no olhar dele. Nessa noite, ficamos juntos e no dia seguinte, tive uma conversa com a Mãe, pois decidimos viver juntos. A Mãe fica preocupada, tens a certeza? repete, falaste com a Dra Lúcia sobre isto? Não será melhor discutires isto primeiro com ela? insiste. Mas eu tenho a certeza de que esta é a decisão acertada, explico, Mãe, tens que me deixar viver e aprender com os meus erros, repito, e o Bernardo está ao corrente de tudo, acrescento. Vejo que a Mãe não está convencida, mas eu tenho que tentar, vivo com medo e tenho que o vencer. Estou convencida de que o Bernardo me pode ajudar nisso, afirmo na consulta com a Dra Lúcia, sei que vai ser complicado para os meus Pais. É a sua vida, Matilde, observa a Dra Lú

MIGUEL FIM

  Tens a certeza? repete o Pai, mas porque é que não falou connosco??? Pela mesma razão que não quis falar em frente da Mãe, respondo, não os quis preocupar! Até me passou pela cabeça que a Filipa podia ser vítima de violência doméstica!!! Ainda bem que não! Eu matava-o! exclama o Pai, e agora o que fazemos? Não sei, admito, esperar que ela fale, dar-lhe a entender que sabemos, mas não fazemos mais! A Mãe bate à porta, entra, o que é que vocês estão a conspirar? Ups, que ar tão sério!!! Aconteceu alguma coisa? pergunta, desconfiada, mas o Pai consegue distraí-la e vamos todos para a cozinha. A D. Margarida preparou um bom jantar e a Inês faz-nos rir com histórias absurdas. Quando me despeço, o Pai diz que vai falar com a Filipa no dia seguinte, mas os acontecimentos precipitam-se, o Tadeu saí de casa naquela noite. A minha irmã telefona-me na manhã seguinte, conta-me tudo, pede-me para explicar aos Pais, estou muito cansada, não consigo falar. Vocês sabiam e não me disseram nada! acusa

MIGUEL PARTE VI

  A tua irmã está grávida novamente e eu não quero ter esse filho, explica calmamente e cala-se. Estou confuso, digo, não querias ter mais filhos? e o Tadeu suspira, claro, só que não os quero ter com a Filipa. O QUÊ? Agora é que não estou a entender nada, respondo, que história é essa e explica tudo devagarinho! Encontraste outra mulher? Queres estar com essa mulher? A minha irmã sabe? É uma colega de trabalho, conta o Tadeu, estamos na mesma equipa de trabalho, sabes como é... Não, não sei como é, interrompo, mas continua e o Tadeu continua calmamente, ficávamos até tarde no escritório, conversávamos muito. A Filipa estava ocupada com a Matilde, com o trabalho dela, estava sempre cansada, mal nos víamos. Talvez não fizesses um esforço para contrariar isso, exclamo, talvez também não tenhas escutado a Filipa...talvez os dois não se tenham esforçado, concluo, e o que pretendes fazer? Divórcio? A tua irmã quer fazer mais uma tentativa, acha que o devemos a esse filho, explica o Tadeu, m

MIGUEL PARTE V

  A Filomena é a primeira a reagir, sorri ironicamente e diz, não estou surpreendida! Orgulho de macho ferido! e suspira. Eu continuo sem dizer nada e ela continua, vou para casa da minha irmã, não vejo futuro para nós! e pega no saco, meio escondido atrás do sofá. Acho melhor pedires a transferência para outra secção! aconselha, talvez sejas promovido mais rapidamente e solta outra gargalhada. A porta fecha-se violentamente, amanhã vou ter os vizinhos a protestarem e com toda a razão! murmuro e mando um SMS à Filipa, tinhas razão! ela foi embora! A resposta não se faz tarde, és louco, Miguel? Sabes que horas são??? Mas ainda bem! e eu rio-me. Estou de mau-humor no trabalho, marco uma reunião nos Recursos Humanos, peço para ser transferido. O pedido causa uma certa confusão, mas porquê Miguel? Está a fazer um trabalho importante, protestam, desculpe, não podemos aceitar! É um elemento imprescindível para a equipa! Pois, mas agora é a Filomena que supervisiona as equipas e organiza a ag

MIGUEL PARTE IV

  O Bernardo escuta-me atentamente, depois fica uns instantes calado e diz, compreendo que fiques aborrecido, mas tenho que concordar com o teu Pai, não estás na empresa há muito tempo, embora o teu trabalho seja excelente. Talvez o que te aborreça seja o facto de ter sido a Filomena a ser promovida, acrescenta e após um breve momento de reflexão, tenho que admitir que foi. E fui um pouco odioso há pouco, confesso, tivemos uma grande discussão... perguntei-lhe se ela sabia, mas ela negou... O Bernardo volta a suspirar, não foste nada diplomático, concorda, e só tens duas hipóteses: ou continuas a fazer o teu trabalho como até aqui e esperas pela próxima promoção ou procuras discretamente uma nova posição. Também já pensei nisso, admito, mas até gosto de trabalhar naquela empresa. Então, encontra uma forma de ultrapassar o facto da Filomena ter sido promovida, aconselha o Bernardo. Ele tem razão, sorrio, despeço-me, já passa das onze da noite, estou a abusar, observo, mas o Bernardo aba

MIGUEL PARTE III

  A Tia Teresa fica indignada, essa tua namorada fala demais! diz, que ideia mais estranha! Se a tua irmã não te quis dizer, vou respeitar a decisão dela! Só te vou dizer isto; sim, ela e o Tadeu estão com problemas... espera que ela esteja pronta para falar! Suspiro, não gosto de ver a minha irmã triste, agitada, mas tenho tanto trabalho que até me esqueço dos problemas. A Filomena ausenta-se, é um workshop importante, afirma e eu encolho os ombros, nem pergunto detalhes. Fala-se em promoções, está na altura de dar tudo por tudo, preciso desta promoção, explico ao Pai, não é só pela dinheiro, vou ser responsável pelos meus próprios projectos...  Tem calma, aconselha o Pai, sabes que podes não ser escolhido? Não estás na empresa há muito tempo... podem preferir uma pessoa com mais experiência... Oh, eu sou perfeito para o lugar, respondo, convencido de que vou chegar rapidamente ao topo. É melhor assentares os pés na terra, repete o Pai, a queda pode ser fatal e magoares-te a sério. Ma

MIGUEL PARTE II

  A Filipa não faz mais comentários, fecha-se na cozinha, o Tadeu pergunta-me se quero café, melhor irmos até ao café lá em baixo, diz. Mas eu abano a cabeça, tenho que ir, respondo, não dormi muito bem esta noite e tenho uma reunião logo às nove horas. Levanto-me, o Tadeu fica sentado à mesa e vou até à cozinha, a Filipa está encostada no balcão, a loiça suja continua em cima da mesa. Vou-me embora, anuncio, estás bem? e a minha irmã suspira, não muito, admite. O que se passa? Reparei que as coisas estão um pouco tensas entre ti e o Tadeu, comento, é, estão, confirma a Filipa, mas este não é o local ideal para falarmos. É grave, então? Ok, telefona-me, combinamos um almoço, sugiro e despeço-me. O Tadeu continua sentado à mesa e a beber, fico a pensar se não será este o problema. Achas que sim? diz a Filomena quando lhe conto, vê-se que tem algumas dúvidas, achas que lhe bate? continua e eu fico parado no meio do quarto. Sinto o corpo gelado, a minha irmã vítima de violência doméstica?

MIGUEL

  O Bernardo e a Matilde resolvem mudar de casa, falam de mim ao senhorio e ele aluga-me o estúdio pelo mesmo valor. Não estou a ganhar muito no meu estágio, a Mãe e a Tia Teresa abastecem-me a despensa e se estou aflito, posso sempre contar com o Pai ou o Tio Pedro. Estava na altura de partir, adoro a minha família, mas estava a precisar de espaço e estou cansado de ser o júri nas desavenças dos meus irmãos mais novos. Hoje, a empresa disse que vou passar a efectivo, o meu trabalho é excelente, afirmam e estou eufórico. Apetece-me celebrar, mas hoje a Filipa faz anos, há um jantar em casa da Mãe. Não importa, acende-se duas vezes as velas, a Filipa não vai dizer que não. A sala explode de alegria quando conto a novidade, estou muito feliz por ti, filho, a Mãe dá-me um grande abraço e o Pai uma palmada nas costas. Espero que me convides para jantar um dia destes, brinca o Tio Pedro, eu também, acrescenta o Tadeu, mas eu não tenho tanta certeza. Sinto que a minha irmã não está muito fel

EU, EDGAR O GRANDE - FIM

  A viagem a Ibiza é uma loucura, creio que fui o único que soube controlar a bebida e gozar o Sol. De regresso a casa, encontro a Mãe a protestar contra a pilha de roupa suja, o Pai mais calma e sorridente e até o Matias parece diferente. E eu? interrompe a Inês, tu, continuas igual! Traquinas, má, enumero e a minha irmã dá-me um empurrão. Eu e o Matias rimo-nos, fechamos a porta do quarto, não, não podes entrar! É assunto de homens! avisa o Matias e a Inês solta um berro de frustração, o Pai pede logo explicações. Então? incito, então, acho que vou seguir o curso de agricultura biológica, os Pais do António têm lá pessoas a estagiarem e disseram logo que estão à minha disposição. conta o meu irmão, adorei lá estar, é cansativo, mas é interessante. Já disseste aos Pais? pergunto e o Matias sorri, desapareceu aquele olhar sombrio, sim, já conversamos e ficaram muito satisfeitos. Não duvido, penso, finalmente encontraste um rumo e o Matias explica-me que se vai matricular em Biologia, G

EU, EDGAR O GRANDE PARTE V

  A vida continua, o Matias queixa-se da vigilância apertada, mas o Miguel dá-lhe um safanão, culpa tua! e o meu irmão cala-se. Passa à tangente, a Lina terminou tudo comigo, conta-me no último dia de aulas, mas eu acho que é o melhor que podia ter acontecido. Vi as notas dela, chumbou a tudo, vai ter que repetir o ano e pode ser que longe da influência dela, o Matias se " encontre ". É a palavra favorita da Tia Teresa, que está toda satisfeita por ter um funcionário tão atencioso e zeloso. Os Pais respiram um pouco aliviados, parece que o Matias encontrou o caminho, comenta o Pai e a Mãe sorri, também acho que sim, noutro dia, falou num curso de agricultura biológica. Pode ser uma saída, responde o Pai, até podemos falar com os Pais do António, eles têm uma quinta, ele pode passar lá umas semanas. O Matias até gosta da ideia, eu vou até Ibiza com os meus colegas e a Inês faz uma cena. Porque é que eu tenho que ficar com os Pais? protesta, deve ser mais engraçado ir até Ibiza

EU, EDGAR O GRANDE PARTE IV

  Acordo a meio da noite com o Matias a abanar-me, estás acordado, Edgar? pergunta, agora, estou, suspiro e acendo a luz. O meu irmão está com olheiras, agitado, foste tu quem falaste com os Pais? dispara, não, respondo, falei com o Miguel... E tive que o fazer, porque tu não estás bem! Precisas de ajuda, não há nada de mal em pedir ajuda! O Matias fica calado, os Pais não estão nada contentes comigo, desabafa, querem que eu tenha explicações, para salvar o ano, dizem e depois, tenho que escolher qualquer coisa para fazer...Eu não sei o que fazer! Não sabes o que fazer porquê? repito, tens que ter uma ideia do que vais fazer no futuro! A Filipa escolheu Gestão Hospitalar, o Miguel Biologia e até a Inês com sete anos pensa em desenhar roupas!  Não sei, volta a dizer o Matias, nunca pensei muito nisso! Agora que tenho que escolher qualquer coisa...e cala-se Explicaste isso aos Pais? não duvido que a reacção dos Pais não tenha sido muito favorável e o Matias deve ter ouvido coisas pouco a

EU, EDGAR O GRANDE PARTE III

  Acho que o Matias está a passar muito tempo com a Lina e os irmãos dela, confesso ao Miguel depois do jogo de ténis, um dos professores encontrou-o no corredor e não pareceu nada satisfeito! Disseste aos Pais? pergunta o meu irmão, não, achei melhor falar contigo ou com a Filipa antes, respondo, tem chegado bêbedo a casa, acrescento, tenho conseguido esconder isso dos Pais, mas acho que o Pai está a ficar desconfiado. O Miguel fica muito sério, dá-me uma palmada no ombro, deixa isso comigo! Não comentes nada com ninguém, especialmente com a Inês! aconselha. Rio, vou lá falar de um assunto tão sério com uma miúda de sete anos! Tens cada ideia! mas percebo onde ele quer chegar, a Inês é muito observadora e já me perguntou o que se passa com o Matias. Naquele sábado, o Miguel pede-me para sair de casa e levar a Inês comigo, mas estou a terminar um trabalho, ia passar o dia na Biblioteca, protesto. Deixa a Inês em casa da Tia Teresa, a Sofia vai a uma festinha, perguntam se a Inês pode i

EU, EDGAR O GRANDE PARTE II

  Restabelece a ordem, não quer ouvir as nossas explicações, quer apenas que sejamos pessoas " em condições ". Demorei algum tempo a compreender o que é uma " pessoa em condições", acabo por o dizer muitas vezes à Inês que fica furiosa, especialmente quando acrescento " eu só digo as verdades e tu não gostas de ouvir a verdade!" Ao princípio, a Inês protestava, " mas qual verdade? Como é que tu sabes que isso é verdade? Não estiveste lá!", mas as pessoas crescem, desenvolvem novos interesses e esquecem-se de comentários idiotas. Estes tornam-se apenas memórias engraçadas do tempo em que éramos " uns idiotas" , explica o Matias à nova namorada que se ri. Tenho ciúmes dela, " rouba-me" a companhia do meu irmão e talvez seja por isso que me interesso pelo programa de design que a Mãe tem instalado no computador. Começo a fazer pesquisa online, leio revistas da especialidade e até surpreendo a Mãe quando peço para a acompanhar a u

EU, EDGAR O GRANDE

  Ok, admito: fiquei desapontado quando a Inês nasceu. Queria um irmão homem, ter o " meu escravo pessoal", mas tive o cuidado de não o dizer alto. O Miguel e o Matias " crucificavam-me " e tinham razão: podem ser chatos, pregarem-me partidas idiotas e estamos sempre a discutir, mas sei que me defenderiam até à morte! A única coisa que não percebo e comentei isso várias vezes com a Mãe, porque é que resolveram chamar-me Edgar quando o nome dos meus irmãos começa pela letra " M "? A Mãe sorri, achas que isso é importante? responde, é um nome como outro qualquer. Foi eu quem o escolheu, acaba por explicar o Matias mais tarde, era o nome do meu amigo favorito. No jardim infantil! acrescenta. E ainda é teu amigo? pergunto, mas o Matias abana a cabeça, não, foi para uma escola diferente, nunca mais o vi! AH, e agora tenho o nome de um rapaz que já não é teu amigo! protesto e avanço decidido para o Matias. Apanho desprevenido, ele caí ao chão, mas levanta-se de

CAROLINA FIM

  Não sei, repito mais tarde ao Gustavo que está preocupado, não sou uma inválida, terei que me concentrar em projectos mais interessantes, mais pequenos. Não sei! O Gustavo não está convencido, fala com a Filipa, mas a nossa filha tem o tempo todo ocupado, entre o trabalho e a Matilde, sugere a contratação de um novo vendedor. Sei que é complicado, tem que ser alguém com experiência e é como a Mãe diz, concluí, projectos mais pequenos para já. Mesmo assim, o Pai não fica convencido, a Rita promete sondar alguns clientes na área, mas é a sobrinha Matilde quem apresenta a solução. Fica desempregada, tem uma licenciatura em design, experiência em backoffice; é perfeita! digo quando leio o CV. A Matilde fica entusiasmada com a ideia, adapto-me facilmente, garante e eu espero bem que sim. Já me habituei a esta nova rotina, caminhadas, aulas de yoga, fins de semana fora; não tenho já idade e vontade de estar vinte e quatro horas a respirar trabalho. É durante uma dessas caminhadas que a Inê

CAROLINA PARTE VI

  Encontrei o cliente socialmente, explica a Luísa, e ele está muito insatisfeito com o trabalho da Paula. Diz que está sempre a colocar obstáculos, que as sugestões dele não são válidas e persiste no plano. Falou com a Paula sobre isto? pergunto, estamos no meu gabinete na empresa, a Paula ainda não chegou. Diz que o projecto é dela, que não tenho nada a ver com o assunto, responde a Luísa, visivelmente embaraçada, foi bastante malcriada, hesitei antes de falar com a Dra, mas não podemos perder o cliente. Não se preocupe, eu analiso o projecto e depois falo com a Paula, sossego e a Luísa saí do gabinete. A Paula chega perto das dez, balbucia uma desculpa e senta-se. Nota-se que está nervosa, pede actualizações dos projectos em curso um pouco agressiva, talvez tenha ficado surpreendida por me ver no gabinete. Não digo nada, analiso atentamente o projecto, o cliente pede alterações tão simples, não percebo porque é que a Paula insiste em as ignorar.  Acabo por telefonar ao cliente, escu

CAROLINA PARTE V

  Apela ao sentido da responsabilidade, aconselha, a Francisca ainda não sabe o que é isso, chorou as primeiras vezes, mas agora, nem liga. Levanta-se, tenho que ir, tenho uma reunião agora, diz, despede-se, deixa uma nuvem do perfume caro que usa. Achas uma boa ideia? insisto nessa noite e o Gustavo suspira, a Inês tem sete anos, é tão independente para certas coisas, achas mesmo que vai fazer uma cena por causa disto? pergunta. Não sei, a Inês está atenta a tudo, até às horas da minha medicação, respondo, mas não há dúvida que o Tadeu tinha toda a razão. A professora está muito satisfeita, a nossa filha está mais calma... Quando sabe que vamos passar o fim de semana fora, a Inês faz uma cena, quem é que vai cuidar de ti?, eu claro, é o meu papel, esclarece o Gustavo. Vai ficar em casa da Teresa, a Sofia tem uma série de coisas planeadas, confessa a Teresa, vão a uma oficina de leitura na biblioteca, mas acho que vai ficar lá sozinha e o António vai ter que improvisar um outro program

CAROLINA PARTE IV

  Tem uma personalidade forte, concordo, e é muito criativa e aperto-lhe o braço. O Matias sorri-me e continuamos a andar calados. Em casa, a Inês insiste em estudar no meu gabinete de trabalho, tenho que ter a certeza que estás bem, declara e os irmãos riem. Acaba os TPC, mas depois aproxima-se da minha mesa, quer ver o croquis, fica fascinada quando rasgo mais a janela e assinalo o local onde penso colocar uma mesa de reuniões. Propõe cores extravagantes para as paredes, fica um pouco desapontada quando lhe explico que esse tipo de cores cansam, temos que optar por outras mais sólidas, mais neutras. A Inês abre a boca para contestar, mas depois acena com a cabeça, já compreendeu e continua a fazer perguntas, até deu boas dicas, comento mais tarde com o Gustavo. Claro que não vou pintar o escritório de vermelho ou amarelo, continuo, mas lembrei-me que o cliente tem quadros abstractos na sala e como eu estou a pensar em fazer do escritório uma continuação, posso colocar quadros com cor

CAROLINA PARTE III

  O meu cliente não tem mais que quarenta anos, explica-me que vai começar a trabalhar em sistema misto, tal como o meu irmão Pedro, comento e ele sorri. Necessito de um escritório, continua e pensei que este seria o melhor local, Está cheio de tralha, terei que a tirar, mas acho que podemos fazer qualquer coisa daqui. Vejo o local, tem boas dimensões e recebe luz natural por uma janela que posso alargar, sugiro e o cliente concorda. Vejo que o soalho é de tacos, posso envernizar e ser a continuação da sala, continuo e o senhor acena com a cabeça, é uma boa ideia. Conversamos um pouco mais, prometo enviar-lhe um plano dentro de dois, três dias, despeço-me e saio para o Sol. Vejo as horas, ups, tenho que ir para casa, prometi almoçar em casa e hoje só o Edgar almoça comigo. Fala-me nos novos projectos, conta-me histórias divertidas sobre os colegas e as aulas e eu sinto-me muito relaxada. Fecho-me no meu escritório, vou trabalhar um pouco, anuncio, tenha cuidado, nada de stress! recomen

CAROLINA PARTE II

  O meu marido não diz mais nada, acho que está de acordo, a vida tem que continuar, não posso ficar aqui sentada a ver o tempo a passar, murmuro antes de adormecer profundamente. A vida volta ao normal com vozes zangadas que me arrancam a um sonho muito agradável e é contrariada que visto o roupão e saio para o corredor. A Inês está de meias com as sapatilhas apertadas contra o peito e o Matias estende-lhe as galochas, tenta convencê-la a calcar o calçado mais adequado para a chuva, diz. A Inês abana a cabeça, detesta as galochas, vão fazer troça dela, porque é que tu não entendes??? exclama, és mesmo burro! INÊS, que linguagem é essa? pergunto, calças as galochas imediatamente e levas as sapatilhas para trocar na escola, nem mais uma palavra! aviso quando vejo que a Inês vai protestar. O Matias arrasta uma Inês muito calada para fora de casa, vou chegar atrasado às aulas por tua causa, peste! comenta e eu decido tomar o pequeno almoço na cozinha. Não vale a pena voltar para a cama, e

CAROLINA

  Talvez não devesse dizer isto, mas tenho finalmente tempo para mim... Tempo para tomar o pequeno almoço na cama se me apetecer, não me preocupar com compras, com os horários dos miúdos, oh, D. Carolina, eles já são crescidos o suficiente para se organizarem, diz a D.Margarida e o Matias concorda. E a Inês? pergunto, nós tomamos conta dela, responde o meu filho, estuda connosco, come connosco e a D. Margarida ri-se, a Inês já sabe tomar banho sozinha, claro que alguém tem que a vigiar, mas não vai haver problemas! Rio-o também, a Inês tornou-se a minha sombra desde que tive o ataque cardíaco, vamos as duas às aulas de yoga e lanchamos na loja da Teresa, de vez em quando, ajudo-a com os trabalhos de casa e ela adora ler-me as histórias favoritas. Nunca pensei que a nossa filha tão rebelde fosse um doce, comento e o Gustavo sorri, até à próxima asneira, se bem que o Matias me tenha assegurado que se ela ultrapassar os limites, torna-se prisoneira, comenta. Prisioneira? repito, a Inês? O

FILIPA E TADEU - FIM

  O Tadeu tem razão: a Inês fica encantada com a ideia de tomar conta da Mãe e é um alívio vê-la tão entusiasmada. Acompanha a Mãe às aulas de yoga no estúdio que abriu no anexo perto da loja da Tia Teresa. O Tio António não achou boa ideia diversificar o negócio de lojas gourmet, já tens bastante com que te ocupar, diz, mas concorda em alugar o espaço e a Carolina encarrega-se da decoração. Apesar dos protestos do marido, não estou inválida, protesta, a Mãe decide continuar a trabalhar. Reorganiza a empresa, aprende a delegar e encarrega-se pessoalmente de dois ou três projectos e supervisiona os restantes. Nota-se que está mais relaxada, ri mais e a minha irmã declara ufana que é tudo obra dela Está calada, periquito, observa o Miguel, é obra de todos! Todos colaboramos para que a Mãe se sinta bem! Pois, corrobora o Edgar, somos uma equipa e ainda bem que aprendeste a fazer isso também! A Inês fica muito vermelha, abre a boca para responder, mas deve ter pensado melhor e não diz mais

FILIPA E TADEU PARTE V

  Não sei o que vai acontecer daqui para a frente, desabafa o Pai, a Mãe terá que levar uma vida mais tranquila... estou muito preocupado! Eu também, mas temos que nos organizar melhor, respondo, ver o que resulta e corrigir quando for necessário... É, Dr Gustavo, concorda a D. Margarida, estamos cá para o ajudar, sabemos os gostos da D. Carolina, vamos fazer com que tudo corra bem. E a Inês? Aquela rapariga é tão viva, repete o Pai e a D. Margarida sorri, explica-lhe o que se passa, faça com que sentia importante no cuidado a dar à Mãe, vai ver que resulta, sugere. Sorrio, a Inês é tão activa, não a estou a ver sossegada no quarto, mas talvez te surpreendas, diz o Tadeu mais tarde quando nos preparamos para deitar. Estivemos com a Mãe, mas ela estava muito ensonada e por isso, só lhe demos um beijinho e regressamos a casa. O médico está optimista, a Mãe vai poder sair daqui a uns dias, terá que levar uma vida mais calma, fazer exercício moderado, yoga, exclama a Teresa quando sabe, es

FILIPA E TADEU PARTE IV

  O Tadeu telefona para o Instituto, avisa que só vai trabalhar de tarde, mas a Filipa pede o dia. O assistente da Mãe já telefonou, o que deve fazer? Cancelar as reuniões desta manhã? pergunta, a Paula pode substituir a Mãe, está ao corrente de todos os detalhes, pode discuti-los com os clientes, aconselha a Filipa. Mantenha-nos informados, pede, logo que a Mãe puder falar, se houver questões importantes, resolve-se então. A tua Mãe deve ficar algum tempo de repouso, observa o Tadeu, não deve trabalhar tão depressa. Não sei, Tadeu, respondo, estou um pouco perdida! Só a Mãe é que pode decidir, vamos tentar, e suspiro. O Tadeu não diz mais nada, vou até casa, tomar um duche, diz, talvez seja melhor preparar um saco, vais querer ficar aqui uns dias? Olho-o surpreendida, não tinha pensado nisso, mas é melhor ficar em casa dos Pais uns dias, principalmente para vigiar a Inês. Sim, é melhor, por causa da Inês, explico, temos é que estabelecer um horário, hoje ela pode ficar em casa da Tia

FILIPA E TADEU PARTE III

  São sete horas e ainda não sabemos nada, o Pai está tão nervoso que nem se senta. A Teresa e o António têm que ir embora, desculpam-se, deixamos os miúdos a dormir em casa de uns amigos e ficou combinado um de nós levá-los todos para a escola, explicam-se. Eu vou abrir a loja, organizar o dia com os colaboradores e depois, volto, diz a Teresa, mas telefona-me logo que souberes alguma coisa. O Pai acena que sim, nem quer falar e eu tenho que me levantar, vou apanhar ar. O Tadeu segue-me, o que queres fazer? pergunta, vamos tomar o pequeno almoço, tomamos um duche e regressamos? mas eu abano a cabeça. O Miguel aparece com o telemóvel na mão, o Matias já telefonou, contei-lhe tudo, comenta mas acho melhor ir até lá e ver como estão as coisas. Talvez seja melhor eu ir, a Inês é um pouco mais obediente comigo, respondo, vou só dizer ao Pai que concorda de imediato com a ideia, promete telefonar assim que souber alguma coisa. Em casa dos Pais, a Inês grita a plenos pulmões, o Matias está a

FILIPA E TADEU PARTE II

  Ah, e para mim, foi fácil??? pergunto, estou em casa há horas, a fazer o jantar e tu nada! exclamo, nada! e o Tadeu fica parado no meio da sala a olhar para mim. Vá lá, Filipa, foi um dia muito longo, repete, falamos amanhã quando estiveres sóbria, frisa, nunca te vi assim, até nem gostas de beber!!! Pois, não gosto mesmo nada de beber, mas sinto-me solta, livre, e volto a rir-me, levanto-me, tropeço e quase caio. Anda lá, vamos para a cama, diz o Tadeu e não me lembro de mais nada. Deitou-me, tenho a certeza disso, pois acordo na cama umas duas horas depois, com a boca seca. Levanto-me sem fazer barulho, o Tadeu está a ressonar e vou até à cozinha fazer um chá. O Tadeu guardou os restos do jantar, ligou a máquina, mas deixou a mesa posta, boa, murmuro, não tenho que a pôr amanhã! mas será que haverá amanhã para nós? penso. Resolvo tomar um duche, mudar de pijama e depois, instalo-me no sofá a beber o chá. A dor de cabeça é terrível, mas que estupidez! raramente bebo e ontem fiz aque