OBCECADA
Sou
obcecada pela perfeição.
Quero
ter um corpo perfeito e para isso faço dietas rigorosas e
agressivas.
Castigo
o meu corpo com longas horas de ginásio. Ignoro qualquer sinal de
cansaço, de dor, porque tudo o que importa é saber que os outros me
acham perfeita.
Sou
ambiciosa, exigente no trabalho e não descanso enquanto não atinjo
os meus objectivos. Sou temida e respeitada, há mesmo quem me
inveje.
Mas
eu continuo a avançar, sem olhar para dentro de mim, sem tempo para
os outros.
Afastei-me
do meu marido, mal falo à minha Mãe e as minhas irmãs para mim são
estranhas. Estão presas a uma vida cheia de rotinas, preocupadas com
os maridos e os filhos, desleixando o corpo.
Mas
eu sou perfeita... Até ao dia em que o médico se mostrou preocupado
com um mero exame de rotina.
Uma
tosse seca e irritativa que não me deixava dormir e falar
convenientemente.
“É
uma gripe?” Pergunto, mas o médico apenas sorri e pede-me para
fazer uma série de exames que adio sempre.
Mas
ontem desmaio numa reunião importante; assustam-se e alguém chama o
112.
E
estou aqui, internada num hospital cinzento, sem carácter, numa
enfermaria cheia de gente queixosa. “Não há quartos
particulares?” mas a enfermeira limita-se a tirar a febre e a medir
a tensão e deixa-me com milhares de perguntas por responder.
Levam-me
para fazer um exame complicado e quando volto à enfermaria, a minha
Mãe está lá. Deve ter sido a minha secretária que a avisou e ela
confirma com um sorriso.
Está
– estamos- pouco à vontade; temos pouco a dizer uma à outra, mas
sinto que está preocupada e que me quer fazer perguntas. Mas hesita
e ficamos as duas caladas até as visitas terminarem.
O
dia seguinte é igual ao de ontem; exames, análises e tentam que eu
coma uma comida com um aspecto muito desagradável. A enfermeira fica
zangada e vai chamar o médico.
Quando
este aparece, a minha Mãe, que chega entretanto, está exasperada,
pois estou a gritar e a incomodar as outras pessoas. Tento
levantar-me, mas creio que cairia se o médico não me amparasse.
“
Vamos conversar?”
e ajuda-me a voltar para a cama. Espera que a minha Mãe se sente e
fecha a cortina.
Explica,
então que tenho uma infecção muito grave, resistente aos
antibióticos. As minhas dietas malucas alteraram todo o meu sistema
imunitário e aconselha-me a ter uma consulta com um nutricionista e
com um psicólogo.
Um
nutricionista? Um psicólogo? Perante o meu espanto, o médico diz
calmamente que posso sofrer de um distúrbio alimentar e que quer que
os colegas me avaliem. A minha Mãe agradece e noto-lhe uma certa
tristeza no olhar.
Uma
das minhas irmãs aparece e eu fico horrorizada com o aspecto dela.
Está gorda, a roupa não lhe assenta bem, mas surpreende-me que não
esteja preocupada com isso.
Quer
saber o que se passa, o que pode fazer e até me oferece a casa dela
se precisar de um local para descansar. Quase me falta o ar; ir para
casa dela quando tenho uma casa deslumbrante, perfeita como eu? Mas a
Mãe interrompe, ainda é muito cedo para se falar nisso, pois terei
que ficar no hospital 10 dias ou mais.
Como?
Tenho uma apresentação na próxima semana, a viagem a Cuba na
seguinte. Não posso deixar tudo nas mãos dos meus assistentes;
tenho que estar presente para resolver os detalhes de última hora.
Começo
a ficar agitada, a minha irmã chama a enfermeira que me dá um
sedativo ligeiro.
Mas
não consigo descansar; sinto a garganta a inchar, a impedir-me de
respirar. E sinto o coração acelerado, a explodir-me no peito.
Soam alarmes, ouço a voz aflita da minha Mãe dizer “ Não está a
respirar!!! ” e passos apressados.
Fecha-se
a cortina, dá-se instruções rápidas, há mãos a comprimir o meu
peito, colocam uma máscara.
Continuo
a sufocar numa agonia atroz; ainda tento reagir, expulsar a dor, mas
fica tudo escuro.
“ É
assim a Morte?” quero saber, mas já não sou nada.
Eu
que queria tanto ser perfeita...
TEMA: OBSESSÕES
Uma outra versão do tema...
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Um beijo.