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A mostrar mensagens de outubro, 2021

SOFIA COMO A POETISA PARTE II

  O Pai olha para o relógio, são horas de fechar a luz e dormir, diz, mas ainda não acabei, protesto. Amanhã, amanhã acabas, repete o Pai, ajuda-me a meter na cama, dá-me um beijo e saí, fechando a porta. Fico um pouco amuada, mas acabo por adormecer e quando acordo, já não me lembro do desenho. Estamos atrasados, o Pai tem uma reunião importante, por isso, é a Mãe quem nos leva à escola. A Inês já lá está, tenho uma coisa para vos mostrar, sussurra, falamos no recreio! Eu e o Gonçalo olhamos um para o outro, o meu irmão encolhe os ombros, mas eu tenho quase a certeza de que vamos ter sarilhos. Mas confesso que estou curiosa e sigo a Inês quando nos faz sinal para nos escondermos atrás da árvore. Continuamos à vista de todos, mas estamos longe o suficiente para não ouvirem o que a Inês vai revelar. Já sei como podemos escapar e ir até ao Parque, conta a minha prima e mostra dois cartões azuis. O que é isso? pergunta o Gonçalo, bilhetes de autocarro, explica triunfante a Inês, não sabes

SOFIA COMO A POETISA

  Não me importo de viver na sombra da minha prima Inês, sempre tão exuberante. Participo nas brincadeiras que ela inventa para gozar o momento, ouço calada o discurso do Pai sobre boas maneiras e respeito pelos outros, mas esqueço de imediato. É que descobri as letras e estou fascinada com a maneira como formam as palavras. A Mãe encontra-me muitas vezes sentada no chão do quarto a tentar decifrar as palavras das histórias que lê à noite à hora de dormir. Sorri, um sorriso que lhe ilumina os olhos e nos faz confiar nela de imediato e senta-se também no chão. Juntas, lemos as palavras, construímos as frases e fazemos desenhos. Nem a Inês nem o Gonçalo têm paciência para isso, conta o meu irmão que a professora está sempre a chamar-lhe a atenção. Imagino como deve ser difícil para a Inês ficar fechada numa sala e a pedirem-lhe para repetir as letras. A Carolina disse-me que a chamaram novamente à escola, diz a Mãe nessa noite ao jantar, a Inês escondeu-se na casa de banho, andou toda a

CLARINHA FIM

  A minha vontade é chamar um táxi e ir-me embora, mas o Sérgio não quer ouvir disso, não sejas casmurra! É sexta-feira, vamos divertir-nos! Chego a casa por volta das três da manhã, abro a porta do quarto da Matilde, a cama está vazia, está em casa do Bernardo, é a conclusão óbvia. Vou para o meu quarto, tenho que ficar acordada, quero ver a que horas ela chega, mas estou tão cansada que adormeço mal me estendo na cama. Acordo tarde e maldisposta, ouço vozes na cozinha, será a Mãe? não foi trabalhar? acho que este é o fim de semana dela na loja. Levanto-me, arrasto-me pelo corredor e entro na cozinha onde a Matilde e o Pai, ainda de pijama, conversam animadamente. Olá, divertiste-te ontem? pergunta a Matilde alegremente e eu olho-a sem uma palavra, ela está realmente diferente! Está mais descontraída, mais efusiva, quase parece a Matilde do antigamente. Como é que não me apercebi disso? e por isso, não respondo. Mas acho que a Matilde não quer saber verdadeiramente, pois diz,  vou ves

CLARINHA PARTE VI

  Todos, à excepção da Luísa e da Mãe que preferem o yoga, inscrevem-se numa aula de hidroginástica às sextas-feiras ao fim da tarde. Ás vezes, jantamos juntos num restaurante perto e os mais novos vão até a um bar, dançar numa discoteca da moda. Naquela sexta-feira, a Luísa e o Gustavo têm outros planos e por isso, só eu, a Matilde e o Bernardo é que vamos até ao bar. Estou um pouco cansado, diz o Bernardo, não vamos ficar até tarde, ok? e a Matilde concorda. Eu fico um pouco amuada, estou cheia de energia, sair daqui à meia noite, uma hora, vai ser um grande sacrífico. Felizmente, alguns dos meus colegas escolheram aquele bar para tomarem umas bebidas e em breve, estou envolvida numa nuvem de conversa alta, " bocas maldosas" e risos histéricos. A minha irmã e o Bernardo ficam num canto do bar, a conversar baixinho, mas eu vigio-os pelo canto do olho. Convido-os a juntarem-se ao grupo, mas eles apenas sorriem, não, são teus colegas, diverte-te, responde a Matilde. Não digo m

CLARINHA PARTE V

  Então, Clarinha, o que estás a fazer? pergunta-me e fica espantado quando lhe digo que estou a estudar Ciências de Educação. O meu objectivo é ser Ministra da Educação e revolucionar o ensino, concluo e o Gustavo ri, vou ter uma irmã activa na política, brinca, mas o Bernardo está muito sério. É uma ideia interessante, Clarinha, quais são os teus planos exactamente? insiste e escuta atentamente os meus planos. Podem não resultar, às vezes, no papel, as coisas parecem ter cabeça, tronco e membros, mas depois...e a Matilde abana a cabeça. Todos a olhamos surpreendidos, há muito tempo que ela não dizia uma frase completa, os comentários limitavam-se às palavras "sim", " não", " talvez". O que eu quero dizer, continua a Matilde, um pouco corada, pois é o centro das atenções, na prática, muitas ideias não resultam. Teremos que as adaptar às situações, concorda o Bernardo, como aproveitar um ribeiro que passa pelo terreno onde queremos construir...  Ou investi

CLARINHA PARTE IV

  Volto para a sala, decidida a monopolizar a atenção do Bernardo, mas este está a falar sobre Cabo Verde e todos escutam atentamente. Até mesmo a Matilde, conheces o Bernardo desde pequena, vais estar presente, sim, senhora, olha o disparate, disse a Mãe ontem à noite e a minha irmã não se atreveu a protestar. Há pequeno sorriso nos lábios dela, o quê? pôs Gloss? e deixou o cabelo solto, escolheu também uma T-Shirt branca em vez das pretas que usa normalmente. O Bernardo sorri-lhe, pergunta-lhe qualquer coisa que não entendo, estou tão surpreendida que nem sei bem como agir. A Matilde sorri, responde calmamente às perguntas, o Pai e o Gustavo olham um para o outro, suspiram de alívio. Mas que segredos são esses? interrompo bruscamente a conversa entre os dois, diz-me, Bernardo, vais voltar para lá? Maria Clara, deixa o nosso convidado em paz, protesta o Gustavo e o Pai faz-me sinal para o seguir. Estás a ser inconveniente, Maria Clara, observa quando chegamos ao corredor, deixa o Bern

CLARINHA PARTE III

  Alguém nos chama para jantar, o Gustavo não responde à minha pergunta, a Matilde está sentada à mesa, mas não fala com ninguém. Tenho quase a certeza de que não está a prestar atenção à conversa, logo ela que sempre se mostrou activa, criativa. O que é que se passa com ela? Abano a cabeça, nunca a vou entender... O Gustavo e a Luísa despedem-se, a Matilde ajuda a Mãe a arrumar a cozinha e eu fecho-me no quarto. Quero impressionar o Bernardo, a roupa tem que ser ousada, mas não demasiado, se o for, corro o risco da Mãe me dizer para mudar. As roupas ficam espalhadas em cima da cama, sou incapaz de decidir, suspiro, tenho que comprar nova, mas será que vou convencer a Mãe? Por isso, quando abro a porta ao Bernardo, estou com jeans e uma T-Shirt branca, nada ousado, apenas confortável. O Bernardo está magro, parece cansado, mas continua a ter o mesmo sorriso calmo, discreto de que me lembro. Fica surpreendido por me ver tão crescida, percebo isso no olhar dele, mas puxo-o para dentro, c

CLARINHA PARTE II

  A sala fica desarrumada num segundo, sei que a Mãe não vai gostar nada, mas o que eu gosto mesmo é de ver o Júnior com os olhos a brilharem e a sorrir. Até o Gustavo parece mais confortável, a Luísa deve ser uma pessoa muito fria, nunca gostei dela. A porta abre-se, mas não é a Luísa, é o Pai que se finge escandalizado, mas o que se passa aqui? Tenho que vos levar para a esquadra para serem interrogados? e todos começamos a rir. A Mãe e a Luísa são atraídas pelas gargalhadas, também queremos ser parte da festa? diz a Mãe, mas a mulher do Gustavo solta um " oh" escandalizado, está tudo desarrumado! A Clarinha arruma isto num instante, não é verdade? decide a Mãe e eu sorrio contrariada, detesto tarefas domésticas, mas não adianta protestar, todos temos que colaborar para que esta casa esteja um brinco, é a regra da família. Eu ajudo-te, oferece-se o Gustavo e quinze minutos mais tarde, a sala está novamente apresentável. Conta-me, peço, como é que está o Bernardo? Regressou

CLARINHA

  Creio que toda a gente está espantada, faço vinte anos este ano. Acho ridículo os comentários tipo " ah, já vais fazer 20 anos??? Meu Deus, como o tempo passa, conheci-te bebé de colo". Claro que tenho que crescer, ser livre, conhecer o Mundo. Está a ser um pouco complicado convencer os Pais a deixarem-me viajar para Ibiza com os meus colegas; mas eu não sou a Matilde, não vou cometer uma estupidez como aquela! Embebedar-me até cair, acordar num sítio estranho ao lado de pessoas desconhecidas... quem é que faz isso??? A Matilde é praticamente uma reclusa, só saí para trabalhar e entra em pânico se há alguma alteração na rotina. Parva! chamo-lhe muitas vezes e a minha irmã desata a chorar, o que me enfurece. A Matilde da minha infância era aventureira, alegre; e não, não compreendo esta mudança. Cuidado com a língua! aconselha o Gustavo, deixa-a em paz se não a sabes ajudar! Ajudar? repito, mas ajudar como? e o Gustavo suspira, abana a cabeça, às vezes, consegues ser muito i

O DOENTE FIM

  A Leonor parece gostar da voz do irmão, cala-se e este passa-a cuidadosamente para os braços da Mãe.  A Aída deixa a sala, dou-lhe de comer, adormeço-a e tento dormir também, murmura. O Bernardo ainda fica a falar com o Pai, mas estão os dois tão exaustos que o Bernardo despede-se uns minutos depois. Nos dias seguintes, o Bernardo estabelece uma rotina, trabalha umas horas durante a manhã, depois de almoço, descansa e ao fim da tarde, vai dar uma volta ao quarteirão. Evita centros comerciais, estar no meio de muita gente faz-lhe confusão, procura lojas, restaurantes de bairro. Quando o Gustavo lhe telefona para combinarem o almoço no domingo seguinte, o Bernardo sente-se mais " humano". Nem sei bem o que é que isso quer dizer, confessa ao amigo, mas sinto-me mais relaxado, mais alerta, com mais interesse no Mundo! O Gustavo também se ri, é bom sinal, estás a recuperar, observa, e a Princesa? A minha Mãe diz que é uma safada, conta o Bernardo, mas estamos todos babados e a p

O DOENTE PARTE V

  O Gustavo despede-se pouco depois, obrigações familiares, diz, mas telefono-te para combinarmos o almoço, ou em minha casa ou na dos meus Pais. O Bernardo suspira, volta a sentar-se, liga o computador, vê os emails, mas não há nada da Cristina. Volta a suspirar, tenta não pensar na última conversa que tiveram e prepara qualquer coisa para o jantar. O Pai telefona-lhe, a Mãe e a irmã saem no dia seguinte, está a arrumar a casa, quero que esteja tudo perfeito! explica e o filho sorri. Amanhã, vou à clínica, avisa, passo lá por casa ao fim da tarde, não queres que vá contigo? pergunta o Pai, mas o Bernardo recusa, não, vai ter com a Mãe, ela precisa da tua companhia. No dia seguinte, o médico mostra optimista, acha que está a recuperar bem, mas vamos esperar os resultados dos exames, aconselha, até lá, descanso e mais descanso, nada de preocupações com o trabalho! O Bernardo ignora o conselho, tem já uma reunião com o Director do Departamento, este quer discutir os projectos em curso em

O DOENTE PARTE IV

  O Bernardo suspira, quer esquecer tudo, descansar, pensar no próximo passo. O telemóvel toca, é o Gustavo, oh, pá, estás cá e não dizes nada? protesta e o Bernardo explica-lhe o que se tem passado. Combinam encontrar-se no dia seguinte, o Gustavo passa lá por casa antes de jantar, não posso ficar muito tempo, tenho que ajudar a Luísa com o miúdo, desculpa-se, mas fazes-me o resumo. O Pai bate à porta, está nervoso, ansioso, quer conhecer a herdeira e o Bernardo ri-se. A Leonor está a dormir, a Aída está feliz e os três conversam baixinho. Estás bem, filho? pergunta a Aída e o filho acena que sim, mas não convence o Pai. É melhor irmos embora, estás a ficar cansado, observa, a tua Mãe também tem que descansar, voltamos amanhã. Na rua, o Bernardo fica parado uns minutos, custa-lhe a respirar, vamos levar qualquer coisa para comer, insiste o Pai, e depois vais dormir. Eu vou buscar uns coisas a casa e fico lá a dormir. Não preciso de babysitter, brinca o filho, mas o Pai ignora-o, está

O DOENTE PARTE III

  A Leonor chega por volta das duas da tarde, uma verdadeira guerreira, comenta a enfermeira, já está a impor a vontade dela no bercário. Os dois homens respiram de alívio, o Pai está verdadeiramente emocionado, até tem lágrimas nos olhos. Espero que tenhas tido a mesma reacção quando eu nasci, brinca o Bernardo e em resposta, o Pai abraça-o fortemente. Mãe e filha têm que descansar, voltem ao fim da tarde, aconselha a enfermeira e os dois saem para a rua. O Bernardo está muito cansado, acha melhor voltar para casa, como qualquer coisa e faço uma sesta, diz. Vou contigo, decide o Pai, também preciso de descansar. Aproveito para telefonar aos nossos amigos e anunciar a chegada da Princesa Leonor, acrescenta. O Bernardo volta a sorrir, preparam umas tostas mistas, o Pai bebe uma cerveja, o filho prefere um Ice Tea. O Pai oferece-se para lavar a loiça, tenho que praticar, a tua Mãe não vai ter muito tempo livre, explica e o Bernardo estende-se na cama. Não adormece de imediato, ouve a voz

O DOENTE PARTE II

  Talvez não devesse ter visitado a Cristina no acampamento de refugidos, já se sentia febril, mas ela precisava tanto de ajuda... Não sabe bem como definir como foi a experiência, mudou a perspectiva do problema e prometeu voltar. Mas não agora... tem que recuperar e o médico não sabe se não ficará algum problema. Na sala, os Pais continuam a falar, estão preocupados, não sabem como agir, o Bernardo é um homem com poder de decisão. O que é que eu posso fazer? repete a Aída, estar presente, é tudo o que podemos fazer, aconselha o Pai. O jantar é um pouco tenso, o Bernardo tem pouco apetite e recusa ficar lá em casa a dormir. O Pai acompanha-o, a tua Mãe encheu o frigorifico, diz, também tens aqui várias ementas e nºs de take away, mas ela espera que vás lá jantar todos os dias. Vou ficar bem, Pai, só preciso de descansar, interrompe o filho, amanhã falamos? Melhor não deixar a Mãe sozinha... Quando o Pai bate a porta, o Bernardo senta-se na cama, está exausto, mas não consegue adormece

O DOENTE

  O Bernardo está doente, os médicos aconselham o regresso à Pátria. A empresa trata de tudo e o Bernardo suspira quando se vê sentado no avião. A experiência foi positiva, mas as últimas semanas foram confusas por causa da febre alta. Os Pais estão preocupados, querem que ele fique lá em casa, mas ele não acha que seja uma boa ideia. A Mãe está na recta final da gravidez, vai ser uma grande confusão, eu doente e um bebé, explica ao Pai, vê se consegues alugar um estúdio aí perto, vigiam-me, mas todos temos o nosso espaço. O Pai continua a achar que não é uma boa ideia, mas faz o que o filho lhe pede e no aeroporto, entrega-lhe a chave do estúdio. A tua Mãe ficou em casa, sente-se gorda demais, diz o Pai, mas insiste em que tu lá vás jantar. Fez os teus pratos favoritos, com a ajuda da Madalena e ri-se para disfarçar a preocupação. O Bernardo está magro demais, parece ter alguma dificuldade em andar, o olhar está baço, triste., oh, meu Deus, a Aída vai ficar doida, pensa. O filho insta

O CASAMENTO FIM

  Falamos efectivamente nisso, mas apenas porque o Rodrigo achava que era o correcto, confessa, agora tudo isso está fora de questão. Fiquei sem saber o que dizer, diz o Nicolau ao António e ao Amadeu, sei que ela ficou traumatizada com o que aconteceu há anos, mas tenho medo que ela fique sozinha, casada com a carreira. Quando tudo terminar, o que é que ela vai fazer? Pode sempre escrever um livro, não foi o que o Nicolau fez? comenta o Amadeu muito sério e uma gargalhada geral desanuvia o ambiente. O Rodrigo parte para a América, a Natália prepara-se para ir para a Universidade Inglesa e a Glória está apreensiva. Tenho a impressão de que ela está a fugir de tudo e de todos, desabafa, mas não há nada que possas fazer! observa o companheiro, se ela não quer escutar as opiniões dos outros... a decisão é dela. Eu sei, mas custa-me vê-la assim tão sozinha, repete a Glória, mas organiza uma festa de despedida. A Teresa e a Madalena encarregam-.se do catering, o Nicolau lê algumas passagens

O CASAMENTO PARTE IV

  Naquela semana, a Glória sabe que o Rodrigo recebeu um convite de uma universidade americana, fica surpreendida porque a Natália nada disse sobre o assunto. Então, o Rodrigo vai para os States e tu não dizes nada? reclama e a Natália encolhe os ombros, vais com ele? Não, responde apressadamente a Natália, o convite foi só para ele, mas tu também conheces pessoas lá, podes perfeitamente organizar um workshop, palestras, coordenar trabalhoS de investigação, interrompe a Glória. Não, não quero voltar para lá, é doloroso demais, repete a Natália e a Glória suspira. O passado é passado, Natália e ao que eu sei, o Rodrigo vai lá estar um ano, diz, muita coisa pode acontecer num ano, vais arriscar? A verdade é que a relação já não está a funcionar, confessa a amiga, decidimos dar um tempo, pensar no que queremos efectivamente fazer e por isso, ele aceitou o convite da Universidade americana. A Glória está tão espantada que não diz mais nada, a Natália desculpa-se e entra numa sala de aulas.

O CASAMENTO PARTE III

  Que disparate! repete o Nicolau e a Glória também ri quando o companheiro lhe conta a conversa. Podemos pensar nisso, mas não temos que o fazer, diz a companheira, as nossas filhas têm um Pai e uma Mãe e o que é importante é o relacionamento entre nós e com elas. Porque o Nicolau tem razão, continua, os problemas podem surgir, estando casados ou não! Não falam mais no assunto, a Glória tenta discutir o assunto com a Natália, mas a amiga é muito vaga. Não a entendo, admite a Glória à Teresa, não a vejo entusiasmada, a falar de vestidos, de penteados, de catering...a maior parte das pessoas começa a pensar nisso um ano antes! Se calhar, só pensaram em casar, interrompe a Teresa, agora estão a considerar os prós e os contra. Talvez, concorda a Glória, mas é tudo muito estranho! Há uma semana, ela estava toda entusiasmada e hoje, estava impossível de aturar.  Ainda estão a pensar nos detalhes, frisa a Teresa e a Glória suspira. Sabes que falei em casamento ao Amadeu? Ele ficou um pouco c

O CASAMENTO PARTE II

  Não sei, confessa o Major, talvez porque a Natália e o Rodrigo vão casar. A Natália vai casar? repete o Nicolau, curioso, não me disse nada!  Sempre pensei que o Nicolau e a Natália ficariam juntos, diz o Amadeu, têm tanta coisa em comum, a pesquisa para os livros, as feiras de autores... Meu caro amigo, a Natália tem trinta e poucos anos e eu vou a caminho dos oitenta anos, interrompe o amigo, é perfeitamente natural que ela tenha procurado a companhia de um homem mais novo. E a vossa relação não irá mudar? insiste o Major e o Nicolau não lhe responde de imediato. Saboreia o arroz de frango, bebe um pouco de vinho, somos adultos, somos profissionais com reputação no meio académico, não creio que a Natália vá deixar o amigo interferir nisso, continua o Nicolau, mas não falemos disso agora, o que é que vai fazer sobre o casamento? Não vejo como o casamento vá alterar a nossa vida familiar, explica o Major, porque temos uma vida familiar óptima, as nossas filhas são felizes, têm o meu

O CASAMENTO

  A Natália e o Rodrigo vão casar, anuncia a Glória ao Major naquela noite, ainda não marcaram a data, mas acho que vai ser antes das férias de Verão. Ah, isso é que não me agrada, vou ter que comprar um fato novo, brinca o Major, podes sempre levar a farda, sugere a Glória. Não, não, responde o Amadeu muito sério, só uso a farda em actos oficiais! e a companheira desata a rir. Não leves as coisas tão a sério! Não sei nada dos planos deles, comenta a Glória, até podem decidir fugir e casar no estrangeiro. Agora é a vez do Amadeu rir, como nos romances? É uma ideia engraçada! É o que eu gostaria de fazer! diz a Glória baixinho e o Major fica calado por uns minutos. Queres casar, Glória? É isso que queres? pergunta e a Glória suspira, senta-se no sofá. Sinceramente, não sei! Quando a Natália me contou, estava tão feliz, há muito tempo que não a via assim...acho que tive inveja! confessa, não temos que falar sobre isto agora! Mas o assunto está na mesa, quero saber o que pensas verdadeira

MIGUEL E O FUTURO FIM

  O que é me aconteceu? Parti o braço durante a caminhada e tenho que confessar uma coisa. O Gonçalo não é um banana, estávamos os dois sozinhos quando caí, ele instalou-me o mais confortável possível, assinalou o local e depois, foi à procura dos nossos Pais. Não se perdeu, foi capaz de trazer os Pais até ao local; pouco depois, chegou a equipa de resgate, o Pai já os tinha contactado. Pois, eu sei o que disse sobre o meu primo e ok, admito que estava errado... É um bom companheiro, tenho que o conhecer melhor... Ah, não, não me peça para fazer o mesmo com a Sofia e com a Inês. Elas são raparigas estouvadas, sem interesse... Está bem, vou fazer um esforço para conversar mais, participar nas brincadeiras, ser franco. Tenho quase a certeza de que a Inês vai fazer pouco de mim, mas está bem, vou tentar, ok? Se falamos sobre a minha Mãe? Fiz algumas perguntas aos Avós, acho que ficaram surpreendidos, também me contaram histórias divertidas. A minha Mãe devia ser uma pessoa engraçada, o qu

MIGUEL E O FUTURO PARTE IV

  O tio António contou histórias bem divertidas sobre a minha Mãe, o Pai acabou por se sentar connosco, também partilhou momentos felizes que passou com ela. O que aconteceu para ela ir parar a uma Clínica de Repouso? O tio António acha que foi por não ter aguentado o stress de falhar, por muitos defeitos que a minha irmã tenha, sempre foi briosa, competente e focada no trabalho, frisou, mas o Pai não concordou. Não, não concordo contigo, a Laura dispersava-se um pouco, respondeu o meu Pai e teriam começado a discutir se o tio Gonçalo não entrasse naquele momento e resumisse a situação num comentário seco, a minha irmã é parva, sempre o foi! O que eu acho? Não sei, as opiniões são contraditórias e para os meus Avós, o assunto é tabu... Este fim de semana, vamos todos para casa dos Avós... Vamos fazer uma caminhada, só de homens, sugeriu o Pai e os tios concordaram. A tia Teresa e a tribo também vão, espero que o Gonçalo fique em casa, a explorar a quinta... É um banana, está sempre tud

MIGUEL E O FUTURO PARTE III

  Não tenho grandes recordações da minha Mãe... lembro-me dos comentários. Coitado do Miguel! Com uma Mãe como a Laura, não admira que seja uma pessoa confusa, imito o meu tio Gonçalo na perfeição. O tio António raramente fala dela, é irmão gémeo dela, toda esta história o deve afectar...e não, nunca me disse nada. Sobre a minha Mãe, quero eu dizer, porque o tio António não é para brincadeiras, se diz não, é não mesmo! Acha mesmo que devo falar com ele sobre a minha Mãe? Porquê? Porque é irmão dela, deve-a conhecer melhor e talvez compreenda porque é que ela é assim? Nunca pensei nisso, não tenho muita curiosidade em conhecer a minha Mãe, é apenas um nome. Ok, eu falo com o tio António, ele não achará estranho eu aparecer e começar a fazer perguntas sobre a minha Mãe? Não gosto muito dessa ideia, já disse, sou uma pessoa normal e não há mal nenhum em ser solitário! Mas acabo por seguir o conselho do psicólogo e naquele domingo, pergunto ao tio António se podemos falar em privado. Sobre

MIGUEL E O FUTURO PARTE II

  O que fizemos este fim de semana?  Fomos almoçar a casa da Tia Carolina, a prima Filipa vai viver para a Dinamarca ou é a Suécia? Não sei bem, sei que foi fazer o Mestrado num desses Países, conheceu alguém lá e agora casou. A Tia Carolina estava um pouco abatida, está preocupada, o Pai e a Tia Teresa disseram-lhe para não pensar o pior, afinal de contas, a Filipa é uma mulher e tem demonstrado ser uma pessoa sensata, responsável. Se calhar, a Filipa está toda contente por sair daquela casa... quatro irmãos e todos malucos! O Matias e o Edgar até não são más pessoas, mas estão diferentes, têm outros interesses e não gostam nada de nos vigiar. A irmã, a Inês aproveita-se disso e está sempre a pregar-lhes partidas, os idiotas nem sempre percebem e as discussões são tremendas! Fico com dores de cabeça! Eu mantenho-me sempre à margem, raramente participo e a Inês acusa-me de ser um idiota, um fraco... Se sou fraco? Não sei, nunca pensei no assunto, acho que tenho que seguir com a minha v

MIGUEL E O FUTURO

  Tenho que ser honesto comigo mesmo e a verdade é esta: não gosto de ninguém. Minto: gosto do meu Pai e dos meus avós, suporto as Tias, mas a louca da minha Mãe e destemida prima Inês... fico cansado só de pensar nisso! Como é que posso dizer isto se não conheço bem a minha Mãe? Ela passou a maior parte da minha infância e adolescência numa Casa de Repouso, um nome pomposo para um Hospital de loucos. Vi o desgosto no olhar dos meus Avôs, como se esforçaram para que eu tivesse uma vida normal, mas tal não foi possível, porque senti sempre um vazio naquela casa, um vazio que ninguém poderia preencher. O meu Pai... o meu Pai foi sempre um Pai presente e acho que abusei um pouco da paciência dele. Isolei-me, mantive-me à margem, escondi-lhe os meus pensamentos... coitado, estava sempre cansado, até porque a minha Madrasta não era uma pessoa fácil... Não, não quero falar da Beatriz e muito menos da Maria Rosa... Acho que têm medo de mim, fui sempre tão hostil.... A Maria Rosa até se levant

O ANIVERSÁRIO FIM

  O Matias e o Edgar organizam um jogo no quarto de brinquedos, o Miguel resolve voltar para o quarto e dormir mais um pouco, a Filipa fica na cozinha, quer falar com uma amiga. A casa está sossegada, aparentemente, sussurra a Carolina quando abre a porta, se a Inês está acordada, é pouco provável, diz o Gustavo. Estão felizes, relaxados, nada os vai aborrecer hoje, prometem, mas no fundo, não têm tanta certeza. Porque a Inês escapa-se do quarto de brinquedos, o Edgar dá um grito, oh, Inês, não podes sair daqui! Volta já para aqui! A irmã faz de conta que não o ouve, contorna a esquina e vê os Pais. Solta um grito tão agudo que o Miguel acorda novamente em sobressalto, suspira, vira-se para o outro lado, que peste de rapariga! murmura. Mas o barulho é tanto que ele desiste e levanta-se. O corredor está agora cheio de gente, os Pais a rirem e os miúdos aos gritos completamente loucos, o Matias e o Edgar competem para terem um pouco de atenção. Entretanto, tocam à campainha, é o serviço

O ANIVERSÁRIO PARTE V

  O bombo soa por volta das oito da manhã, alguém bate na pandeireta e o Gonçalo grita bem alto, está na hora de levantar, temos fome! O Miguel acorda sobressaltado, quase caí da cama, mas a Filipa é mais rápida que ele e já está no corredor a ralhar com os miúdos. E depois, concluí, eu não sirvo o pequeno almoço a pessoas de pijama! e o Miguel esconde um sorriso. O Matias e o Edgar aparecem nesse momento e oferecem-se para os ajudar. É com alguma dificuldade que os levam para o quarto, onde o Miguel primo continua sentado à espera de ordens. Já decidi, confessa o Miguel, não quero ter filhos, e fica indignado quando a irmã se ri. Agora dizes isso, mas vais mudar de ideias, explica a Filipa, também pensei nisso, mas a verdade é que gosto de ter uma casa cheia de gente, cheia de risos e gritos... Somos uma família original e às vezes, é bem engraçado ver como a Inês consegue confundir o Matias e o Edgar! concorda. O Matias fica tão zangado e vinga-se no Edgar, diz a irmã, a Mãe diz que