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A mostrar mensagens de março, 2022

O NOVO HOMEM

  Estar novamente solteira e com duas crianças não é fácil. Mas é tudo uma questão de organização e isso aprendi cedo ao viver naquela casa barulhenta e aparentemente caótica. Os Pais não se importam de ficar com netos quando tenho que trabalhar até tarde, mas eu não os quero sobrecarregar e contrato uma babysitter. Nos fins de semana que o Tadeu fica com os miúdos, a babysitter fica de folga e eu aproveito para relaxar. Este fim de semana, resolvi aceitar o convite de uns amigos e fomos até ao Parque Natural. O grupo é interessante, divertido e eu e o Gaspar somos os únicos solteiros. Divorciou-se há pouco, confidencia-me a Cláudia, achamos que podiam fazer companhia um ao outro, acrescenta, maliciosa. Sorrio, mas não estou a pensar ter uma relação nos tempos mais próximos, tenho a vida ocupada demais. Anda lá, aproveita a vida, insiste a Cláudia e trata de nos sentar um ao lado do outro no jantar de despedida. É num clube, tem uma pista de dança no exterior, a noite é quente e a orqu

EU, CODE NAME " LEONOR DE AQUITÂNIA" fim

  O Júnior não me responde, a Clarinha ri e eu também, o meu sobrinho fica amuado durante uns dias. A Matilde e o Bernardo organizam um almoço para as famílias, anunciam a grande novidade, há gritos, beijos, abraços e o Pai diz, espero que seja uma menina! Procuro o Júnior com o olhar, está carrancudo, sozinho, encostado a uma parede, deito-lhe a língua de fora. Mas o meu sobrinho não reage, o Bernardo confessa ao nosso Pai que o rapaz está distante, pouco fala, está a ponderar marcar uma consulta num psicólogo. Espera mais um pouco, aconselha o Pai, deixa-o resolver isto sozinho, não o pressiones! e o Bernardo suspira, a Matilde está inquieta, ele está a rejeitá-la e sabes como isso pode ser complicado... Nesse aspecto, os dois são parecidos. Que aspecto? Não estou a compreender nada, também não quero saber, o Nicolau deu-me um livro sobre trovadores e jograis, estou muito curiosa. O Verão chega, os Pais inscreveram-me num acampamento, ao princípio não gosto muito da ideia de dormir n

EU, CODE NAME " LEONOR DA AQUITÂNIA" PARTE V

  Finalmente, o meu quarto fica pronto, adoro o conjunto dos móveis e das cores escolhidas e esqueço que estou zangada com o Júnior. Este é o meu Reino Secreto, posso ter aqui a minha corte, até começo a fazer pesquisas sobre os trovadores e jograis e o amigo da Mãe, o Nicolau é uma ajuda preciosa. Naquela semana, o trabalho para a aula de História é sobre os trovadores em Portugal, mais concretamente sobre o Rei D.Duarte e por isso, estou fechada no meu quarto a compor o meu ensaio. A campainha toca, ouço exclamações de espanto e uns segundos depois, alguém bate à porta do quarto. É o Bernardo, dá-me um grande abraço, senta-se por uns minutos na cama, conversa um pouco comigo. Noto as olheiras, está triste, está cansado, mas apenas sorri quando lhe pergunto se está tudo bem. Vou conversar com os Pais, ok? murmura e saí do quarto. Deixo passar uns segundos, vou atrás dele, óptimo, só encostaram a porta da sala. O Bernardo diz que a Matilde está grávida e quando a Mãe diz que ele não pa

EU, CODE NOME " LEONOR DA AQUITÂNIA" PARTE IV

  O Júnior adormece pouco depois de comer a sobremesa, o Bernardo e a Matilde despedem-se e eu recebo ordens de marcha " para a cama". Sonho com torres altas, tapetes de pele de urso, vestidos vermelhos e dourados e quando proponho essas cores para as paredes do meu quarto, a Mãe diz logo que sou maluca, não são cores apropriadas para o quarto??? Onde é que já se viu isto??? Fico amuada, não falo com a Mãe durante uns dias, mas ela encolhe os ombros, o tratamento de silêncio não me afecta! Não vou mudar de ideias! esclarece. É a Matilde quem me faz mudar de opinião, mostra-me vários croquis de quartos que decorou, o verde água e o cinzento claro são bonitas. suaves e modernas, explica, o vermelho e o dourado cansam um pouco e um quarto é um sítio para relaxar. Achas? tenho as minhas dúvidas, mas acabo por concordar, a Mãe suspira de alívio e até me deixa ir com ela ao IKEA escolher os móveis simples que ela prefere. Durante uns dias, tenho que dormir no velho quarto do Bernar

EU, CODE NAME " LEONOR DA AQUITÂNIA" PARTE III

  O Júnior também abre a boca de espanto, apressa-se a comer o arroz de frango e o Bernardo volta a sentar-se. A Mãe pergunta à Matilde qualquer coisa sobre o trabalho, vejo a minha cunhada transformar-se, anima-se, os olhos brilham enquanto descreve as cores, as texturas que escolheu para decorar a casa. Há muitos oh's e ah's por parte da Mãe, não digas? É isso que se está a usar? questiona, é que estou a pensar em redecorar o quarto da Leonor, preciso de dicas, continua. Redecorar o meu quarto? É a primeira vez que ouço falar nisso, tem que ser um quarto digno de uma Rainha, interrompo, que disparate! diz a Mãe, vai ser um quarto muito simples, porque vais ser responsável pela limpeza, arrumar a roupa, os livros.... O quê? Uma rainha não limpa o quarto, penso, mas devo ter deixado isso transparecer na minha cara, porque a Mãe e a Matilde riem-se. É tudo uma questão de reorganização, explica a Matilde, até pode ser divertido! Divertido??? repito, como é que limpar o pó ou o ch

EU, CODE NAME " LEONOR DA AQUITÂNIA PARTE II

  O Bernardo está bem disposto, desafia-me para uma corrida até à cozinha, mas eu sou uma Rainha, protesto, e as Rainhas não correm! Pensa que é uma corrida de cavalos, uma rainha tinha que saber andar a cavalo, responde o meu irmão, anda lá, preparar, vamos... Chegamos à cozinha quase ao mesmo tempo, o Bernardo aperta-me a mão solenemente, foi uma boa corrida! Parabéns pela vitória! e eu rio-me. Os Pais e a Matilde também se riem, o Bernardo serve-se de uma bebida, o Pai prepara uma para ele e para a Mãe. A Matilde recusa delicadamente, nunca bebe e eu ouvi uns rumores de que é uma alcoólica em recuperação, mas, embora tenha pedido à Mãe para explicar o que é, esta nunca me respondeu concretamente. Ouve-se um estrondo vindo da sala, o Bernardo suspira, o Júnior aprontou alguma, diz, por mais conversas que tenha, aquele meu filho não compreende nada! explica. Mas não lhe vais bater, atalha a Matilde, li num livro que não se deve bater... mas uma palmada na altura certa, interrompe a Mã

EU, CODE NAME "LEONOR DA AQUITÂNIA"

  Isto de me relegarem para segundo plano tem que acabar, decido. Ainda por cima, o mano Bernardo chama-me " Leonor da Aquitânia" e por isso, tenho que viver em função disso. Descobri muito cedo quem foi a Leonor da Aquitânia, estou rodeada de livros as vinte e quatro horas do dia, os Pais são gerentes de uma livraria. Temos que estar a par das novidades, explicam, como é que podemos recomendar um livro se não conhecemos o autor, o enredo? E, por isso, começo a ler cedo, perco a paciência com os meus colegas, porque demoram a juntar as letras e a formar as palavras. Tem calma, aconselha a Mãe, nem toda a gente é fã de livros como nós! Não te preocupes com eles, diverte-te! Mas dizem que a Leonor da Aquitânia era uma mulher culta, protesto, e eu quero ser uma mulher culta! A Mãe suspira, tens muito tempo para isso, goza a vida antes, diz, eu sabia que contar-lhe histórias sobre a Leonor da Aquitânia ia dar nisto, comenta e o Pai ri-se, pois é o nosso momento juntos, ler, conve

VIDA NEGRA FIM

  Tento seguir os conselhos do vigilante e do Miguel que me escreve uma longa carta sobre o assunto e a receptividade dos outros surpreende-me. Começo a entender o que significa trabalhar em equipa, como é fundamental a troca de ideias para o desenvolvimento de projectos e quando abordo a necessidade de actualizar o jornal do colégio, ouvem-me com toda a atenção. Por isso, fui promovido a editor, conto ao Pai no primeiro dia de férias e este sorri, parece estar aliviado. Até a Beatriz está a sorrir, se bem que não tenha mudado de ideias em relação a ela, continua a ser uma intrusa que agitou a vida do meu Pai. Mas já consigo ser amável e até ensino a Maria Rosa a andar de bicicleta. A minha irmã não confia totalmente em mim, não tenho sido o melhor dos irmãos, explico ao Miguel mais tarde, ainda estás a tempo de corrigir isso, aconselha, é filha do teu pai, precisa do teu apoio, da tua amizade. Independentemente do que sinto em relação à Beatriz? pergunto e o Miguel abana a cabeça, ten

VIDA NEGRA PARTE V

  Nas semanas seguintes, tento ser amável com a Beatriz e a Maria Rosa e nem pestanejo quando o Pai não me deixa passar uns dias no Algarve com o meu colega Mateus. Talvez se esqueça do colégio interno, penso, mas o Pai não se esqueceu e aqui estou eu a olhar para o dormitório onde vou ficar com quatro rapazes. Há quatro beliches e uma cama individual que dizem não pode ser minha, porque é do vigilante do dormitório que se apresenta como sendo o Rodrigo, ficas com a cama que sobrar e qualquer problema que tenhas, falas comigo e com mais ninguém! esclarece. A hora de deitar é às dez da noite, as luzes fecham-se às dez e meia. A hora de despertar é às sete, o pequeno almoço é às oito e tens que deixar a cama feita, a roupa suja no cesto respectivo, avisa o Rodrigo, se não cumprires, tiram-te créditos. Os computadores só podem ser utilizados nas aulas e na sala de estudo, só podes utilizar o telemóvel uma hora por dia, o resto do tempo fica guardado no teu cacifo, esclarece um dos outros

VIDA NEGRA PARTE IV

  Quase me falta o ar, visto-me rapidamente, saio disparado do quarto, já nem me lembro da recomendação do Pai. O Pai está à minha espera no corredor, faz-me sinal para voltar para o quarto, mas o que é que...? mas o Pai abana a cabeça, quem vai falar sou eu! diz. Dei-te sempre o beneficio da dúvida, tentei sempre encontrar uma razão para as tuas atitudes, explica, mas começo a ficar cansado. Ouves o que eu digo, eu penso que compreendeste, mas depois fazes tudo ao contrário! Por isso, durante uns tempos, não há computadores, jogos, cinema, festas... Mas isso não é justo! interrompo, claro que é justo! Já pensaste nos problemas que provocaste com a tua atitude? continua o Pai, andares no meio do trânsito sem qualquer sinalização??? A tua tia ficou preocupada, a Inês foi castigada por tua casa... Não é justo! repete, estou a pensar que talvez seja melhor ficares no colégio interno e vires a casa só aos fins de semana! Para compreenderes o que é a disciplina, pensares no todo e não em ti

VIDA NEGRA PARTE III

  Concordo em absoluto, diz uma voz por trás de mim, viro-me surpreendido, é o Pai quem fala. Onde é que ele estava? Pensei que tinha saído, abro a boca para lhe perguntar, mas o Pai parece estar furioso. A tia Carolina telefonou-me, muito preocupada porque não sabe onde é que tu estás, continua, foste andar de bicicleta com a Inês para o parque, mas a Inês diz que a última vez que te viu foi quando as foram buscar. Por isso, o que é tu fizeste? Vieste de bicicleta da casa da tua tia até aqui?  Encolho os ombros, talvez, respondo e o Pai respira fundo, não sei o que se passa contigo! Sinceramente, não sei o que fazer contigo! Tem calma, Pedro, aconselha a Beatriz, pousa-lhe a mão no braço, o que me irrita profundamente. Larga o meu Pai, grito, assusto os dois e a Beatriz afasta-se, é melhor conversares com ele a sós, sugere, vou dar uma volta com a Maria Rosa. O Pai faz-me sinal para o seguir, fecha a porta do escritório, fiz-te uma pergunta e quero uma resposta, não é talvez! observa,

VIDA NEGRA PARTE II

  Não estou com meias medidas, empurro-a, a Inês tropeça, caí desamparada e grita de dor. Burro, estúpido, animal, repete furiosa, o Edgar aparece no corredor com cara de maus amigos, mas o que é se passa aqui? Estou a estudar para um exame e vocês estão a interromper-me!!! diz. Nada, responde a irmã, esfregando o joelho, apenas uma troca de impressões que correu mal! Pois, eu sei, exclama o Edgar, porque é que não vão para o jardim andar de bicicleta? Está bom tempo; não percebo porque é que ainda estão aqui. Não respondemos, aproveitamos a dica e saímos a correr de casa.  A minha bicicleta está em casa, mas não hesito e pego na do Edgar. Ele não vai gostar, avisa-me a Inês, mas eu encolho os ombros, foi ele quem deu a ideia! Não quero saber! comento e arranco, sem me preocupar quer com o trânsito quer com a Inês. Não olho para trás, não sei se a Inês vem atrás de mim, gosto de sentir o Vento na cara, mantenho-me na faixa dos ciclistas, ganho velocidade e acabo por sair do parque. Faç

VIDA NEGRA

  O único que fala verdadeiramente comigo é o primo Miguel. Não é que a família não seja simpática, a tia Carolina e a tia Teresa não sabem mais o que hão-de fazer para que eu me sinta confortável e protegido, mas sei muito bem o que estão a pensar. Coitada, será que herdou a loucura da Laura? leio-o no olhar e talvez eu o pensasse também se estivesse no lugar delas. É que a Laura, a minha Mãe, passa temporadas numa clínica de repouso e nas raras vezes que está em casa dos avós, é uma personagem sombria, calada, hostil. Na presença dela, eu fico zangado, hostil também e acabamos por não conversar. O meu Pai, Pedro tenta compensar, refez a vida com a Beatriz e tenho uma meia-irmã chamada Maria Rosa. O problema é que não gosto de as ter lá em casa e faço-lhes a vida negra.  A Beatriz suspira, pede ao meu Pai para " resolver o assunto" e temos as chamadas " conversas de homem". Está sempre a pedir-me para ser simpático para a Beatriz e para a Maria Rosa, conto ao primo

O PATINHO FEIO FIM

  Com as aulas, o surf e a ilustração da história da Sofia, fico tão cansada que me adormeço mal pouso a cabeça na almofada. Nem dou conta da crescente tensão entre os Pais e acordo uma noite assustada com as vozes alteradas. Ouço frases soltas, estás a trair a minha confiança, diz a Mãe, mas que mal há em dar o próximo passo? repete o Pai. Acabo por me levantar, fico no corredor a tentar ouvir mais, mas há um click, sinal de que abrem a porta da sala e fujo de imediato para o meu quarto. O que é aconteceu? O que é que a Mãe quis dizer com " trair a minha confiança"? Dou voltas à cabeça, mas não encontro uma resposta e não me atrevo a perguntar. O Pai não está na cozinha quando vou tomar o pequeno almoço, a Mãe está tensa e diz laconicamente que o Pai foi viajar. Viajar sem me dizer nada? penso, mas a Mãe saí da cozinha, está visivelmente perturbada. Passo o dia preocupada, a Sofia tenta acalmar-me, já sabes que os adultos discutem, afirma, sim, mas porque é que o Pai foi via

O PATINHO FEITO PARTE IV

  A Sofia relata-me a conversa que teve com o irmão, não ligues ao que ele diz, só o disse para te provocar, concluí, e tu caíste que nem uma parvinha! Este Mundo é muito complicado, suspiro e a Sofia concorda.  Acabamos por falar no concurso que a escola lançou, a minha prima vai concorrer, e tu? Tens bons desenhos, até podes ilustrar a minha história, sugere, mas eu estou indecisa. A Sofia encolhe os ombros, pensa e depois diz-me alguma coisa, pede e despede-se. Também ela tem que apagar as luzes às onze; eu faço-o com relutância, estou inquieta e não sei bem porquê. Acordo horas mais tarde, estou com sede, levanto-me para ir até à cozinha, ouço vozes no corredor. As histórias que aquela Rosário conta, diz a Mãe e o Pai ri baixinho, sinceramente não sei como o Bento a atura, responde. E está sempre a namoriscar contigo, afirma a Mãe e o Pai volta a rir, sou irresistível, sabes disso, mas só tu tens a minha atenção completa! afirma. Abro a porta nesse momento, os Pais afastam-se rapid

O PATINHO FEIO PARTE III

  Só estava a brincar com a Francisca, protesta o Gonçalo, vocês, as mulheres são muito complicadas. E vocês homens sois burros! repete a Sofia e saí disparada da sala, o irmão encolhe os ombros, não percebe qual é o problema. Entretanto, na Praça de Alimentação, observo cuidadosamente o Pai, que explica como eu e o Gonçalo estamos a evoluir, vou torná-los nuns campeões, elogia e também fala sobre o encontro com o tal casal. Suspiro aliviada, não há nada entre ele e a dita senhora, mas porque é que fico com esta impressão de que o Pai está a esconder alguma coisa?  Porque é que está a ler atentamente o SMS? Porque é que pediu licença e levantou-se para atender? A Mãe continua a falar com a Tia Madalena, não acha nada de estranho na atitude do Pai, sorri-lhe quando regressa, explico-te tudo logo à noite, diz. Vai ver o que há nos cinemas, Francisca, sugere o Pai, escolhe um, vamos já lá ter contigo. Nada de ficção científica, pede a Mãe, não estou com disposição para isso! e a Tia Madal

O PATINHO FEIO PARTE II

  Tenho que concordar que o meu Pai é um homem cheio de charme, principalmente agora que o cabelo começa a ficar grisalho e sinto uma ponta de ciúmes quando vejo as mulheres namoriscar com ele. É o que acontece numa daquelas manhãs em que, exaustos, excitados após a aula, estamos a preparar-nos para regressar ao carro quando alguém diz " Por aqui, Dr Gonçalo?" e o Pai vira-se na direcção da voz. É um casal, também equipado para fazer surf, que sorriem e apertam efusivamente a mão ao Pai. São os seus filhos? perguntam, mas o Pai abana a cabeça, a minha filha Francisca e o meu sobrinho Gonçalo, apresenta e o casal sorri, muito prazer, murmuram e voltam novamente a atenção para o Pai. Conversam os três por uns minutos, a senhora está corada e não para de dar risadas, o que eu acho ridículo. Despedem-se finalmente, entramos no carro e o Gonçalo segreda, aquela senhora está apaixonada pelo teu Pai e eu dou-lhe um safanão. Está calado, o meu Pai adora a Mãe! afirmo veementemente e

O PATINHO FEIO

  Na escola, todos têm inveja dos meus Pais, dizem que são charmosos, cheios de glamour e eu... Eu sinto-me um patinho feio e quando o confesso à Mãe, esta ri-se, o corpo passa por fases, Francisca, estás a crescer, sentes-te desajeitada, mas isso passa, assegura. O Pai ri-se, porque é que não experimentas fazer surf? sugere, podia ser o nosso programa de sábado de manhã, mas primeiro tens que aperfeiçoar os teus conhecimentos de natação. Faço uma careta, não gosto muito de me despir, ficar com o cabelo molhado, mas o Pai tem razão, os meus conhecimentos são básicos, tenho mesmo que melhorar. Por isso, volto a inscrever-me nas aulas de natação, por coincidência, a Sofia também vai a essa aula, o que é óptimo, diz a Mãe, se não a pudermos ir buscar, o teu irmão ou a Teresa tratam disso. Podem-na deixar aqui ou vamos buscá-la mais tarde a casa deles. As aulas são divertidas, formamos um grupo simpático e depois da aula, ficamos no bar a conversar. Começo a sentir-me mais à vontade com o

HISTÓRIA DA FAMÍLIA FIM

  A casa cheira a pó, a abafada, abro de imediato uma janela e o Pai acende a luz. Há livros pelo chão, jornais rasgados e alguém andou a queimar papéis. O computador desapareceu, as roupas também, não há qualquer vestígio do Frederico. O que é que o teu irmão anda a fazer? percebo que o Pai está a pensar o pior e tenho que admitir que o Frederico fugiu. Mas porquê? O que é que aconteceu de tão grave que ele não pode falar connosco? repito quando regresso exausto a casa e a Cristina, se tem uma opinião, decide guardá-la para si. No dia seguinte, decidimos ir até à empresa, pode ser que o tenham enviado a algum lado, diz o Pai, mesmo que tivesse que partir à pressa, não nos telefona? ataco e peço de imediato desculpas, estou de cabeça perdida tanto como ele. A recepcionista pede-nos para aguardar uns minutos, alguém vem já falar com os senhores, explica e é o próprio Director Financeiro quem nos conduz até uma das várias salas de reunião. Nota-se que está preocupado, respira fundo vária

HISTÓRIA DA FAMÍLIA PARTE IV

  Não sei porque insistes em almoçar com ele, diz a Cristina nessa noite, vens sempre irritado! Porque ele é meu irmão, respondo um pouco agressivo, tenho que saber o que ele anda a fazer... E soubeste? insiste a Cristina e eu abano a cabeça, sempre que lhe fazia uma pergunta, ele desviava o assunto, explico. Ah, tal como eu pensava! observa a Cristina, ainda abro a boca para rebater, mas não posso, ela tem toda a razão. As semanas seguintes são complicadas, nem tenho tempo para telefonar o Frederico, ele também não faz qualquer esforço para me contactar. Por isso, naquele sábado à noite, fico surpreendido pelo telefonema da Catarina, olá, Francisco, sabes onde é que anda o teu irmão? Ficou de vir buscar o Tomás, não apareceu nem atende o telemóvel, explica. Não, não sei de nada, não tenho falado muito com ele, comento, tenho tido muito trabalho! Vou tentar saber alguma coisa, depois digo-te. Já falei com o teu Pai, também não o viu, adianta a Catarina, diz que ia até casa dele. Ok, vo

HISTÓRIA DA FAMÍLIA PARTE III

  O Frederico solta uma grande gargalhada, quem diria que o velhote ainda consegue, exclama, o que faz com que o Pai salte da cadeira e exige que peça desculpas à Glória. A Glória tenta acalmar o Pai, Amadeu, ele não está em si, está tudo bem! comenta e eu aperto o braço do Frederico, queres fazer o favor de te calar? repito, mas o meu irmão ri ainda mais alto. O melhor é eu chamar um Uber, interrompe a Cristina muito calma, não estás em condições de guiar ou de conviver com gente civilizada, frisa com um sorriso irónico e quinze minutos mais tarde, o Uber chega, dou as indicações necessárias e pago. O Pai encarrega-se de levar o Tomás a casa da Mãe, volto a pedir desculpas, mas a Glória sorri, não te preocupes, está esquecido! assegura. Mas ninguém vai esquecer! comenta a Cristina, o teu irmão é um grande idiota! e não me atrevo a contrariá-la, sei que ela tem razão. O Luís nasce, uns meses depois a Carolina, as Mães estão encantadas, eu e o Pai temos que protestar, queremos passar al

HISTÓRIA DA FAMÍLIA PARTE II

  A relação com o Pai torna-se confortável, de vez em quando, almoçamos juntos e um dia, ele confessa ter conhecido alguém. Está um pouco envergonhado, mas eu acho piada, brinco com ele, aconselho-o a aproveitar a vida. Fico surpreendido, um pouco chocado quando me diz meses mais tarde que vai ser novamente Pai. Fico uns minutos sem saber o que dizer, vejo que ele está preocupado, afinal, vou ter uma irmã vinte e seis anos mais nova, mas como também vou ser Pai, acabo por sorrir, então, vamos trocar informações sobre o peso, o leite ideal, a melhor creche, observo. O Pai abre a boca de espanto, o quê? repete, vais ser Pai, porque é que não disseste nada? A Cristina só quer anunciar no fim do primeiro trimestre, explico, não me perguntes porquê. Vamos organizar um pequeno jantar, tu estás convidado e por isso, finge-te surpreendido quando anunciarmos o facto. Conto tudo à Cristina nessa noite, ah, que piada, tio e sobrinho com poucos meses de diferença, comenta, eu e a Glória vamos troc

HISTÓRIA DA FAMÍLIA

  Hoje, sou eu quem escreve a história da família. Eu que sou um homem de ciências e uso as palavras apenas para confirmar as teorias, mas só eu conhecia intimamente o Frederico. O meu irmão era egoísta, egocêntrico, arrogante e tivemos grandes discussões porque ele queria impor-me a sua visão do Mundo. Mas eu segui um outro caminho, conheci outras pessoas que fizeram com que percebesse que as minhas atitudes estavam erradas. Uma dessas pessoas foi a Maria, que se afastou de mim porque " deixaste de ser divertido " e ainda hoje não tenho a certeza que percebi o comentário. Talvez porque concluí que a vida não é só jantares luxuosos, noites loucas em bares e discotecas e dormir o dia inteiro. Interesso-me pelos projectos que me propuseram, desenvolvo-os com sucesso, recebo convites de outras empresas, estou indeciso. É a primeira vez que falo verdadeiramente com o meu Pai, descubro que é um homem que sabe ouvir, é claro, assertivo nas suas opiniões e conselhos. O Frederico diz

A VOZ DA RAZÃO FIM

  O workshop é no sábado, combino encontrar--me com o avô para lanchar, conto-lhe tudo o que se passou. Estou entusiasmado, estou a descobrir muita coisa e compro tantas revistas sobre fotografia e máquinas fotográficas que a Mãe protesta e acusa-me de ser um " acumulador ". Começo a ter mais seguidores na minha Página, considero a hipótese de abrir um clube de fotografia com o apoio do professor, mas já tenho tantas coisas para fazer que desisto. Por um lado, é muito bom vê-lo feliz, conta a Mãe à Glória naquele domingo, mas ontem tive que o obrigar a ir ao cinema com os colegas. Ele tem que sair mais... e a Glória ri-se, é só uma fase! comenta com convicção. Eu tento explicar à Matilde como tirar uma fotografia perfeita com o telemóvel, o Luís e o Carolina discutem sobre um livro que têm que ler para a aula de inglês e os adultos riem-se alto de uma piada qualquer. Estamos a preparar-nos para almoçar quando tocam à campainha, a Glória pergunta, quem será? convidaste mais al

A VOZ DA RAZÃO PARTE IV

  A Mãe volta a dizer-me que o importante é participar, posso não ganhar o primeiro prémio, posso ganhar num ou dois temas. Podes ganhar o workshop e as tuas fotos vão ser incluídas na exposição que vão organizar depois do concurso, acrescenta. Sorrio, estou confiante de que vou receber o primeiro prémio, envio as fotos, aguarda-se o resultado. Umas semanas mais tarde, recebemos um convite da organização, a cerimónia de entrega dos prémios vai ser no Museu da Fotografia, posso levar dois convidados, a Mãe e o avô, claro está, digo. A Matilde e a Carolina ficam desapontadas por serem as minhas convidadas de honra, mas a Glória explica-lhes que era perfeitamente justo e que podem assistir a cerimónia, como parte do público geral. E se o Tomás ganhar, podem sempre dizer que são Tias dele, brinca, mas o avô ri-se, melhor só dizer que são da família, isso ainda vai dar azo a confusão, explica. As miúdas ficam entusiasmadas, eu estou muito nervoso e sinto as mãos húmidas. Relaxa, vai correr

A VOZ DA RAZÃO PARTE III

  O avô escuta-me atentamente, lê o regulamento do concurso e acha que eles se referem a retratos do quotidiano. Fico espantado, como é que faço isso? pergunto e a Glória ri-se, é simples, vai até ao parque, à estação do metro, de comboio, podes fotografar pessoas a correr, sentadas à espera, qualquer coisa! Pena, interrompe a Matilde, pensei que podia ser o teu modelo! Ah, não vou ser esse tipo de fotografo, respondo de imediato, não quero ser o fotografo da moda, quero ser como os da National Geographic. A família ri-se, é ambicioso o rapaz, comenta o tio Francisco, mal sabia ele que me tornaria fotografo da revista, não a fotografar animais no seu habitat, mas sim cenários de guerra. Mas não é hoje, porque hoje estou a preparar-me para competir pela primeira vez, estou excitado com a ideia e depois do almoço, eu e o avô resolvemos dar uma volta. Vamos lá fazer esse retrato do quotidiano, diz, a Matilde fica aborrecida, queria ver connosco, mas a Carolina explica-lhe trocista que pod